Cabeça

Miguel Gustavo de Paiva Torres

A primeira vez que percebi o que faz uma cabeça foi com a composição musical elaborada por Walter Franco, nos anos 70, intitulada Cabeça. Fazer a cabeça, a sua própria ou a de alguém, foi o vínculo criativo que permitiu produzir cultura, religião e política, como arte de persuadir, convencer e liderar.

Com o avançar dos anos comecei a perceber, de forma mais ampla, que o mundo e suas realidades, na verdade, se houver verdade, se resume a cabeças pensantes; e, podes crer, os bichos também pensam.

Imaginem o impacto de uma frase saída de uma cabeça afirmando que você vai se transformar em um jacaré, caso tome uma vacina produzida cientificamente para prevenir o seu sofrimento e morte.

Cabeça feita você começa a olhar para o bicho jacaré de modo diferente. Ele começa a crescer cada vez mais em seu pensamento e chega a atingir proporções mitológicas, aterradoras.

Para consolidar essa imagem dantesca do inocente jacaré você é levado a outro país, dentro do seu próprio país, chamado Jacarezinho, onde vive e morre gente que não parece em nada com a gente da sua rica comunidade. E você não entende qual o seu lugar neste país tomado por jacarés e Jacarezinhos.

Para seu alívio e conforto você recebe a notícia de que, em breve, nas cercanias do Jacarezinho, haverá um novo mundo livre de jacarés: magníficos resorts internacionais dedicados ao prazer do sol, do mar, das velas, do jogo e do sexo.

Um sonho tropical para atrair dinheiro do mundo inteiro. E você vai poder ganhar muito dinheiro jogando bacará. Vai ser um mundo de lindos golfinhos e botos cor de rosa amestrados nas piscinas iluminadas desse universo livre de violência, armas, balas, sangue e mortes. Livre de vírus imaginários criados em cabeças de animais inadequados.

A vida é doce e o Brasil é belo. Esta é a nossa verdade. O resto é intriga e oposição da ralé que já virou jacaré no imaginário de nosso saudável e feliz povo verde e amarelo.

Não se preocupem: o dinheiro vai rolar. Bananas e mamão é o que não falta em nosso jardim celestial. Teremos fartura: garantem nos templos as cabeças pensantes às cabeças ouvintes. Nada vai atrapalhar nossa caminhada rumo à terra prometida. Daqui só saio morto. O meu Exército, a minha Marinha e a minha Aeronáutica não vão permitir que você fique distante e isolado. Melhor perecer lutando do que ficar em casa esperando a morte chegar. Estamos juntos. 2022. Abraços.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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