Recordando Neruda
Luís Veras Filho
Sou fã de carteirinha de Pablo Neruda. Costumo reler seus poemas, muitos deles lavam minh’alma. Para o maior dos poetas chilenos e um dos mais notáveis do mundo, o poema era uma comunicação emotiva que devia penetrar na vida das pessoas, se possível tornando-as mais felizes.
Sem a menor sombra de dúvida, seus versos conseguem isso mesmo no mais apático dos leitores. Sua literatura e sua arte se transformaram em transfigurações do real, do lúdico, realidades recriadas e embelezadas com chave de ouro da chama de sua genialidade. Ele procurou no lirismo a lucidez no sentido de procurar construir um mundo livre de injustiças.
Para escrever sobre sua poesia a gente tem que tentar caminhar nas asas da imaginação, na criação artística, na fantasia e na idealização do sentimento. Vale a pena transcrever o que afirmou o poeta Castro Alves: “Para demonstrar uma profunda tristeza causada por pequenas dores, Deus criou a afeição, o afeto e o amor; mas para chorar a humanidade, Deus criou a poesia”.
Há mais de uma hora pesquisando na internet sobre Neruda, relendo algumas de suas obras literárias, detive-me no poema “Morre Lentamente”, impressionando-me com a sensibilidade e argúcia do poeta. Nessa poesia, ele fala de pessoas que vêm ao mundo sem se dar conta do milagre extraordinário que é viver, passando pela vida sem percebê-la. Mesmo fazendo uma análise superficial, constata-se o caráter universal de suas ideias e a profunda compreensão da natureza humana.
Alguns versos desse poema: “Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo, quem destrói seu amor próprio, quem não se deixa ajudar. /Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias o mesmo trajeto…/ Morre lentamente quem prefere preto no branco e pingos sobre os is, em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos./ Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto./”. Enfim, como o próprio Neruda afirmou, “evitemos a morte em doses suaves; estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente com determinação conquistaremos a fase esplêndida da felicidade”.
Ele ensinou que a poesia desperta o sentimento da beleza; que não é somente poeta aquele que produz versos, mas todo aquele que percebe a poesia sutil das coisas. Analisando esse pensamento, fica a pergunta: será que a gente pode chamar de poeta apenas quem escreve poesias? Pode ser, concordo, mas acho que para ser poeta de fato é necessário que se tenha a alma impregnada de poesia, como foi Neruda.
Existe uma frase que define bem o que é ser poeta, de autoria de um dos grandes mestres da literatura brasileira, José de Alencar: “O cidadão é o poeta do direito e da justiça; o poeta é o cidadão do belo e da arte”.
Antes de qualquer outra coisa, ser poeta é um estado de espírito. Aquele que é poeta é-lo internamente, possui a poesia na alma. Afinal, ser poeta é saber transformar cada despedida em uma saudade lírica e depois sonhar. É simplesmente despertar desejos adormecidos e colher durante a vida os frutos às vezes doces, muitas vezes amargos, de uma grande paixão.
E Neruda ensinou tudo isso muito bem.