O dia em que o fascista Mussolini virou moeda de troca

Edberto Ticianeli

Não é pequena a lista dos personagens históricos que exerceram poder sem limites e tiveram fins trágicos, cumprindo a célebre sina: “aqui se faz, aqui se paga”.

Um dos mais famosos foi o italiano Benito Amilcare Andrea Mussolini, um irrequieto líder político que fundou o Partido Nacional Fascista e foi uma das figuras-chave na criação do fascismo.

Assumiu o poder como primeiro-ministro da Itália em 1922, passando a exigir que o tratassem como Il Duce (O Líder). Já ditador, em 1936, seu título oficial era “Sua Excelência Benito Mussolini, Chefe de Governo, Duce do Fascismo e Fundador do Império“.

Exibia com orgulho a patente militar suprema de Primeiro Marechal do Império.

Foi afastado do poder em 1943, mas ainda conseguiu ostentar, a partir de 23 de setembro do mesmo ano, o título de líder da República Social Italiana, governo fascista sobre a parte do território italiano não ocupado pelos Aliados, na ocasião do Armistício de Cassibile.

Era mais conhecida como República de Salò, por ter sua sede na cidade de Salò, à margem do Lago de Garda.

Sua última entrevista no poder foi no dia 20 de abril de 1945, quando apresentou ao repórter Gian Gaetano Cabella seu projeto de “socialização mundial“.

Três dias depois, vendo o mundo cair sobre sua cabeça e percebendo que as Forças Aliadas avançavam celeremente para expulsar os nazistas e derrotar os fascistas, resolveu fugir, como todo covarde.

Aproveitando que um comboio alemão passava por Milão em retirada para a fronteira com a Suíça, liderou um grupo para acompanhá-lo na fuga, incluindo sua companheira Clara Petacci. Os outros companheiros de poder foram abandonados à própria sorte.

Foi assim que, fantasiado de soldado alemão, iniciou sua última caminhada.

Fuzilado

Quando o comboio, às 6h30 do dia 27 de abril de 1945, atravessava Dongo, uma comuna italiana da região da Lombardia, província de Como, foi cercado por forças da Resistência, os heroicos partisanos da 52ª Brigada Garibaldi, que atuavam sob o comando de Urbano Lazzaro.

O tenente Schallmayer, da Luftwaffe (ramo aéreo da Wehrmacht), que comandava o comboio, tentou reagir, mas após intenso combate, em que claramente estava em desvantagem, foi obrigado a propor uma negociação.

Durante as tratativas, os partisanos identificaram Francesco Barracu, funcionário da República de Salò, disfarçado de diplomata espanhol.

Percebendo que os partisanos demonstraram interesse nos italianos que ele contrabandeava, o tenente Schallmayer os ofereceu como pagamento para ser liberado e continuar sua retirada do território italiano.

Com o negócio fechado, os alemães partiram e os partisanos foram ver quem eram os fascistas daquela “tropa” de italianos fardados de nazistas.

Para surpresa de todos, Giuseppe Negri identificou Mussolini e imediatamente o levou até onde estava Lazzaro, para que visse o até então todo poderoso ditador fascista.

O chefe partisano convenceu Mussolini a assinar uma declaração confirmando a sua captura e reconhecendo que teve um tratamento correto.

Il Duce foi descrito por Lazzaro da seguinte forma: “seu rosto parecia como cera e seu olhar era vítreo, mas de alguma forma cego. Eu vi uma expressão de exaustão extrema, mas não de medo… Mussolini parecia ter aberto mão da vontade de viver, estava espiritualmente morto”.

Na madrugada de 28 de abril, Mussolini foi reconduzido a Dongo, enquanto a rede de resistência antifascista comemorava a sua prisão e os comandantes discutiam o que fazer com ele.

Um dos dirigentes do Comitê de Libertação Nacional, possivelmente Sandro Pertini, futuro presidente da República Italiana, esbraveja pelo rádio:

“O chefe dessa associação de delinquentes, Mussolini, enquanto amarelo com rancor e medo tentava atravessar a fronteira com a Suíça foi preso. Ele deve ser entregue ao tribunal do povo para ser julgado rapidamente. Nós queremos isso, mesmo que pensemos que um pelotão de execução seja uma honra muito grande para este homem. Ele merece ser morto como um cão sarnento”.

Os partisanos autorizaram o julgamento de Mussolini, da sua companheira e de sua escolta em praça pública. Sentenciados à morte por fuzilamento, os fascistas iam experimentar um método muito utilizado por eles contra os guerrilheiros da resistência.

À Clara Petacci foi proposto que “fugisse”, mas ela optou por permanecer ao lado do companheiro até o fim. Viveu o suficiente para ouvir as últimas palavras do vaidoso Mussolini: “Atirem aqui — apontando para o peito. Não destruam meu perfil”.

O fuzilamento aconteceu em 28 de abril no vilarejo de Giulino di Mezzegra. Na madrugada do dia seguinte seus corpos foram levados até Milão para serem expostos ao público. Ficaram jogados uns sobre os outros num posto de combustível da praça de Loreto.

Cercados pela multidão, foram chutados, baleados, cuspidos e até urinados. Em seguida foram pendurados de cabeça para baixo na cobertura de metal do próprio posto de combustível. Permaneceram lá por horas.

A execução de Mussolini foi investigada pelo tribunal do júri de Pádua em maio de 1957, mas não se chegou à conclusão alguma sobre os autores dos disparos.

Há uma versão, a mais aceita, que o executor foi Walter Audisio, cumprindo orientações do Comando Geral da Resistência.

Quanto ao tenente Schallmayer, o oficial da Luftwaffe que trocou a cúpula do fascismo italiano por sua liberdade e de seus soldados, não se sabe o que aconteceu com ele. Entrou para a história por ter se comportado como o nazista que era.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

2 comentários em “O dia em que o fascista Mussolini virou moeda de troca

  • 26 de maio de 2021 em 20:12
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    Excelente matéria sobre a história do facismo e da resistência na Itália, enviarei a minha amiga italiana que mora em Vênetun.

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  • 26 de maio de 2021 em 22:15
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    Quem se considera acima de tudo e acima de todos e ainda usa o poder pra praticar barbaridades, como o genocida brasilheiro, um dia será o seu dia.

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