Cabra macho da peste

Cleto Falcão (do livro Missão Secreta em Igaci, de 1984).

Miguel Arraes havia retornado do exílio. A repressão ainda não havia “digerido” a anistia, muito menos a presença de Arraes no Brasil. Teotônio levou Arraes a um restaurante em São Paulo a fim de apresentá-lo a alguns companheiros do futuro PMDB, a frente política que estava nascendo. Com mais de vinte pessoas na mesa, Teotônio sentou-se ao lado de Arraes. No meio do jantar, entram bruscamente no restaurante quatro homens de capa, ostensivamente armados. Dirigem-se a Miguel Arraes.

— O senhor queira fazer o favor de nos acompanhar.

— Quem são os senhores? — perguntou Arraes.

— Somos da policia e precisamos investigar uma denúncia contra o senhor. Por favor, nos acompanhe.

Miguel Arraes já fazia menção de acompanhá-los quando Teotônio interveio.

— Um momento. Os senhores trazem alguma ordem legal de prisão?

— Não. Isso não e uma prisão, é um convite.

Teotônio enfureceu-se.

— Tenham respeito a um ex-governador. Os senhores estão pensando o que? Eu sou um senador da Republica e exijo ser respeitado. Se isso e um convite, o governador rejeita, por que não gosta da companhia de repressores. De qual policia vocês são?

— Somos do DOPS.

Teotônio levantou-se. Instruiu Miguel Arraes para ficar ali mesmo. Foi até um telefone, (eram duas horas da madrugada) e acordou Romeu Tuma, delegado do DOPS em São Paulo. Tuma negou que os homens fossem do DOPS. Fez uma rápida checagem nos órgãos policiais e concluiu que os homens eram ex-integrantes do Doi-Codi.

Voltou até a mesa.

— Eu já sei quem são os senhores e também sei o que os senhores querem. Os senhores são torturadores do Doi-Codi inconformados com a anistia. Estão querendo fazer terror com o governador Miguel Arraes. Pois saibam vocês que só levam o governador se for na marra. E eu também vou junto. Se vocês nos matarem, aguentem as consequências de terem assassinado um ex-governador e um senador da República. E se não nos matarem, amanha vou direto ao Ministro da Justiça denunciá-los um por um.

Um dos homens fez menção de pegar na arma. Teotônio dirigiu-se a ele.

— Eu sou de Alagoas. Você tá pensando que eu tenho medo disso?

A essa altura o restaurante já estava lotado de políticos e amigos de Miguel Arraes e Teotônio. Sentindo a pressão, os homens encaminharam-se ao elevador. Teotônio, bruscamente, entrou no elevador com eles. Pela janela Arraes viu um carro estacionado lá embaixo na porta do restaurante. Desceu todo mundo correndo pelas escadas — estavam no segundo andar — temendo uma violência física contra Teotônio. Embaixo já encontraram Teotônio fazendo um comício:

— Quem é o chefe? Eu quero falar com o chefe de vocês. Quem é o vagabundo que esta comandando esse terrorismo?

Assustados os homens entraram rapidamente no carro e saíram em disparada.

Quem me contou essa historia não foi Teotônio. Foi Miguel Arraes.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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