Rás Gonguila e a eleição de Arnon de Melo em 1950

Edberto Ticianeli

O engraxate Benedito dos Santos abandonou este nome ainda muito jovem, quando morava na Rua do Macena, Centro de Maceió, onde nasceu. Nem ele mesmo sabia explicar como e por que o passaram a chamar de Gonguila.

Mas o título de nobre etíope ele sabia muito bem.

Surgiu nas inúmeras conversas com os clientes que sentavam na sua cadeira de engraxate, que ficava estacionada nas proximidades do Café do Cupertino no Ponto Central de Maceió, confluência da Rua do Livramento com a Rua do Comércio.

Rás o dignificava como alguém especial, herdeiro de linhagem real africana, como atestava seu porte físico, um negro alto, forte e altivo.

Foi com essa titulação nobiliárquica que, no início da década de 1930, fundou com alguns amigos o histórico Bloco Carnavalesco Cavaleiro do Monte.

Desde então, a partir de dezembro, quem sentasse na sua cadeira de engraxate era convidado a participar com alguma contribuição para a agremiação, colaboração que ficava registrada para sempre no famoso “Livro de Ouro do Rás Gonguila”.

Rapidamente passou a ser uma das figuras mais populares de Maceió e, como consequência, era procurado por políticos em busca de apoio eleitoral.

Em 1950, Arnon de Melo disputava o governo contra o candidato de Silvestre Péricles, Luís Campos Teixeira, e tinha como um dos seus assessores o jovem Theobaldo Barbosa, que veio a ser governador de Alagoas entre 1982 e 1983.

Bem articulado, Theobaldo organizou um encontro de Arnon com catadores de sururu da Lagoa Mundaú, um grupo liderado por Rás Gonguila, que morava nas proximidades da Praça Moleque Namorador, na Rua São Paulo, n° 202, Ponta Grossa.

Numa noite de sábado de agosto de 1950, Arnon de Melo chegou com sua comitiva ao Vergel do Lago e se dirigiu a um velho e mal iluminado galpão para conquistar os votos daqueles trabalhadores da lagoa.

Assim que entrou no ambiente, percebeu que um negro alto se dirigia a ele, rindo e com os braços abertos prontos para abraçá-lo.

Desesperado por não reconhecer aquele apoiador, perguntou discretamente a Theobaldo quem era aquele indivíduo.

— É o Gonguila. O famoso Gonguila! — respondeu o assessor, falando baixinho para que ninguém percebesse.

Para o azar de Arnon, nesse mesmo momento surgiram algumas palmas e vivas em sua homenagem e ele não ouviu bem o que Theobaldo lhe disse.

Caminhou em direção ao líder dos catadores de sururu, recebeu o abraço e lhe disse:

— Boa noite, ‘seu’ Gorila!

O engraxate, tomado de surpresa, recuou um passo e respondeu:

Gorila é a puta que o pariu, Arnon! Meu nome é Gonguila! Rás Gonguila!

A situação ficou tensa por alguns segundos, mas logo todos entenderam a gafe cometida pelo candidato e surgiram algumas risadas desanuviadoras.

Depois das devidas explicações, Arnon pediu desculpas, abraçou novamente Rás Gonguila e passou a conversar com ele sobre as reivindicações dos catadores.

Saiu de lá com os votos daquela área e foi eleito governador do Estado.

Fazendo recepção, Rás Gonguila, de quepe, acompanha o governador Arnon de Melo cumprimentar o deputado Homero Falcão

Muitos anos depois, um amigo de Arnon de Melo revelou que nas poucas vezes em que o governador esteve no Centro de Maceió para engraxar sapatos na cadeira do porta-estandarte do Cavaleiro do Monte, ao se aproximar, murmurava baixinho para não errar:

Gonguila, Gonguila, Gonguila

Rás Gonguila silenciou seu clarim para sempre em 1967, fulminado por um ataque cardíaco na Rua do Comércio, Centro de Maceió.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Rás Gonguila e a eleição de Arnon de Melo em 1950

  • 26 de junho de 2021 em 14:32
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    Muito bom essas histórias parabéns pelo trabalho sou fã do site 👏👏

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