Ave Maria da Pandemia
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Tempus Fugit. Fugaz o tempo foge na velocidade da luz, nossa última casa depois de tantas mudanças, vasos, copos e pratos quebrados no caminho da eternidade. Todos os dias, nos últimos 500 dias, nos juntamos aos vizinhos do prédio na frente de nossa varanda para o ritual das dezoito horas: um balé de lanternas na oração acompanhada pela Ave Maria. A Ave Maria da Pandemia de nossas vidas. Para fugir, como foge o tempo, do nosso pandemônio do dia a dia.
Lavar pratos, panelas, talheres, banheiros. Como é bom conhecer na pele a labuta dos humildes. O trabalho com suas mãos, regando plantas, cortando cabelos, lavando calcinhas, cuecas, lençóis, toalhas. Tirando o mofo dos armários e a poeira do quarto. 500 dias de confinamento com direito a saidinhas mascaradas e acrobáticas para driblar os sem máscaras, neste jogo diário da morte e do escárnio político.
Respirar é preciso. No entanto falta oxigênio. O fogo se espalha como se fosse em um só dia 300 garrafas de vinho tinto com bananas fazendo efeito permanente nas batidas da floresta de angústias e ansiedades no meu coração de menino. 200 crônicas escritas com som e fúria contra os enviados do demônio, pai e mãe hermafrodita do pandemônio. 50 crônicas escritas com ternura e carinho para apaziguar os deuses do amor e dar descanso a Sísifo em seu trabalho terreno.
Ave Maria da Pandemia, rogai por nós pecadores. O pão nosso de cada dia. Deus e o Diabo no deserto do Neguev. Vade retro mentiroso e vendilhão dos templos de ouro e sangue. Tempus Fugit. Graças a Deus haverá luz no final da caminhada. A luz eterna e descarnada que ressurgirá nas estrelas que se movem aos bilhões no oceano da eternidade. Não adiantam as suas milícias armadas. Não passarão. Serão apenas vermes, formigas, cupins, baratas ou morcegos perdidos nas trevas da escuridão. O mal que aqui se faz aqui se pagará. É a lei do eterno retorno. O círculo da vida e da morte. Ave Maria cheia de graça, rogai por nós pecadores.