Os amigos do Rei Sol 

Miguel Gustavo de Paiva Torres

No final dos anos 80 a pressão pela privatização na América Latina subiu exponencialmente. Os bancos credores internacionais queriam encerrar a discussão sobre a dívida externa dos principais países da região. Queriam a grana de volta, com juros, é claro. Exorbitantes ou não.

Para isso precisavam ter um discurso convincente e esperançoso: avanço para a modernidade. Divulgam e promovem o Consenso de Washington. Apoiam a eleição de Fernando Collor, no Brasil, Carlos Menem, na Argentina, e Carlos Salinas de Gortari, no México. É a globalização chegando a galope. A modernidade das privatizações contra o atraso do estatismo é a frase de comando.

O economista Carlos Salinas de Gortari enganava bem no figurino de candidato da modernidade à presidência da República mexicana. Formado em Harvard e na Escola de Governo John F. Kennedy, sabia do que se tratava o assunto do momento. O tal do Consenso de Washington. O PRI não teve dúvidas. Vem aí o futuro. Salinas disputou pelo PRI e, como sempre, venceram.

No México a instituição da Presidência da República é sagrada. A bandeira e o presidente da República são venerados pela população. Intocáveis. O acesso ao palácio e ao presidente é uma honra sem par.

Os presidentes da República tinham a mesma aura dos reis. Salinas foi o Rei Sol do México. Distribuiu a riqueza acumulada do Estado entre amigos. Carlos Slim Helú se tornou um dos homens mais ricos do mundo.

Os meios de comunicação impresso, jornais, revistas e livros, já eram controlados pelo fornecimento de papel da empresa estatal que detinha o monopólio da sua produção. Vendiam papel e não cobravam as faturas. Cobravam favores. Emilio Azcárraga abocanhou a estatal Emivisión, fundou a Televisa e a transformou em um dos maiores conglomerados de televisão do mundo. Em 2013, estava em décimo oitavo lugar no ranking mundial, logo atrás da Rede Globo, que ocupava a décima sétima posição.

O dono da rede de lojas de eletrodomésticos Elektra, Ricardo Salinas, ficou com os canais que formaram o duopólio: a TV Azteca. Emilio sempre foi fiel ao PRI. O massacre de Tlatelolco, carnificina de estudantes ordenada pelo presidente Echeverría, não foi divulgado na Televisa, o canal mais popular do México com transmissões por satélite para boa parte do mundo. Também não divulgou os escândalos de corrupção que atingiram o presidente Miguel de La Madrid e amigos íntimos, no final dos anos 80. Miguel de la Madrid já tinha privatizado cerca de vinte por cento das empresas estatais em seu sexênio na presidência.

A parte do leão ficou com Carlos Salinas, o Rei Sol. Salinas levou ao extremo o teatro político da instituição e da figura do presidente da República, no México. Os seus séquitos e a sua segurança em seus deslocamentos e aparições públicas era impressionante mesmo. Nada parecido em nenhum lugar civilizado no ocidente. Grandiosidade e corrupção. Corrupção para ninguém botar defeito.

Quando o irmão Raúl entra em cena, desesperado por roubar mais e mais, e o cunhado, Ruiz Massieu, se associa aos negócios, os chefes do narcotráfico começam a “aparecer no filme” vinculados a comandantes militares e a chefes da DSF. A Direção de Segurança Federal do México, DSF, era um misto de Polícia Federal e Abin. As suas contrapartes nos Estados Unidos eram o FBI e a CIA.

Com o poder absoluto nas mãos, a família Salinas entrou numa espiral de escândalos chocantes: a acusação de envolvimento no assassinato de Colosio abalou a credibilidade do grupo do “salinismo” no PRI.

Mesmo assim, antes de partir para o exílio, Carlos conseguiu eleger o seu novo indicado, o neoliberal Ernesto Zediilo, que daria continuidade ao rentável negócio das privatizações. O irmão mais jovem, Enrique, foi encontrado assassinado por asfixia em um carro abandonado na Cidade do México. O cunhado, Ruiz Massieu, também foi assassinado.

Raúl passou um tempo na prisão, mas hoje vive tranquilamente e rico na Cidade do México. Carlos se exilou na Irlanda, onde vive. Eventualmente regressa em visita ao México. Sem séquito, seguranças ou amigos ao seu redor.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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