Balcão de confusão
Miguel Gustavo de Paiva Torres
As filas davam voltas no quarteirão. Da janela da minha cozinha comendo os meus chilaquiles com ovos revoltos em salsa vermelha apimentada, com tortilhas de milho azul, eu já ficava estressado antes da hora.
Iria chefiar o setor político e de imprensa da embaixada, mas, antes de tomar posse no cargo ainda ocupado por um colega a ser transferido, o embaixador me pediu, com um amável sorriso, para assumir o setor consular e tentar dar uma organizada no caos. Os colegas evitavam passar perto do local. Todos tinham pavor de ir parar ali, a danação do sétimo círculo do inferno.
Com mais de trinta mil brasileiros residentes na época, intenso trânsito de turismo, negócios, academia, e uma imensa presença em todo o território mexicano de pastores e missionários de denominações neopentecostais brasileiras, a Universal de Edir Macedo dominante, não havia um dia de paz.
Não existia um Consulado Geral ou um Consulado simples em todo o México. Apenas o setor consular com um chefe, eu, e duas idosas senhoras, relíquias do setor, uma atendente e uma competente secretária, que consegui negociar e levar para lá, com a condição de a deixar sair quando necessitasse porque, na verdade, faturava bem mais como produtora cultural conhecida e ativa que era. O carnaval que realizava todos os anos em hotéis luxuosos entrou no topo do calendário de eventos festivos da Cidade do México.
Mas o feijão com arroz diário eram os turistas assaltados nos táxis de ruas — os fusquinhas verde e branco —, e os pobres imigrantes brasileiros abandonados nas periferias da cidade por coiotes profissionais. Sem dinheiro, sem documentos e sem saberem onde estavam.
Para completar havia um brasileiro louco, totalmente defasado no tempo e na história. Não deixava passar uma semana sem fazer um escândalo na recepção da embaixada contra os diplomatas fascistas do Brasil. Pregava adesivos com insultos em nossos carros. As velhas senhoras que atendiam no balcão da confusão não davam a mínima. Mas ele voltava. Tinha prazer em protestar.
Brasileiros acidentados, presos ou mortos, no trânsito, afogados ou assassinados em Cancún, paraíso do tráfico e baladas. Na fronteira, campo e cidade. Imigrantes deportados, grupo atrás de grupo. Enfim, era uma animação soturna e, às vezes, deprimente.
Deprimente e triste foi o escândalo nacional no México provocado pela fuga do time do Vasco da Gama, liderado pelo vice-presidente do Clube, Eurico Miranda, sem pagar a conta do hotel. Zero. Se mandou com o time e deixou o rolo para ser resolvido pela embaixada. Deus que me perdoe por recordar assim de um morto, mas não tem como deixar de contar.
Também casei brasileiros e presidi mesa eleitoral no segundo embate entre Lula e FHC, com a vitória lá no México de FHC. Foi uma surpresa essa vitória no México.
No dia da eleição, embaixada aberta exclusivamente para a votação, o primeiro a chegar foi o simpático, afável e muito bom conversador Francisco Julião, o antigo líder das Ligas Camponesas do nordeste do Brasil nos anos 60. Exilou-se no México, na bela e agradável cidade de Cuernavaca, e lá ficou o resto de sua vida.
Quando cinco grandes ônibus trazendo pastores, missionários e rebanho brasileiro estacionaram na porta da embaixada e os eleitores, em fila disciplinada, se colocaram prontos a votar, duas senhoras comentavam com um papelzinho na mão, ao nosso lado. — Esse papelzinho que o pastor entregou com o nome do Lula é para botar na urna ou copiar? Julião riu solto e me disse: — Lula vai perder. FHC ganhou na embaixada do Brasil no México e também foi reeleito presidente.