A Revolução dos Aribus
Edberto Ticianeli
Após os ataques aos navios mercantes brasileiros na costa nordestina, no início de 1942, o Brasil declarou guerra à Alemanha e a Itália e tomou várias medidas para a defesa do país, principalmente do chamado Teatro de Operações do Nordeste.
Em Alagoas, a presença de submarinos alemães na costa assustava a população, que dia após dia acompanhava o noticiário dos jornais e dos rádios em busca de informações sobre o conflito e suas possíveis ações no Brasil.
Foi nesse clima de medo e incertezas quanto ao futuro do país que Manoel Afonso Viana, vice-cônsul de Portugal em Alagoas chegou naquela noite à chácara do Comendador Gustavo Paiva, em Cruz das Almas, Maceió.
— A situação é grave, comendador! Já externei meu apoio ao presidente Getúlio Vargas por ter declarado guerra e fiz questão de publicar nos principais jornais as minhas declarações.
O proprietário da Dispensa Familiar sentou-se numa confortável cadeira instalada na varanda, tirou um exemplar amarrotado do Jornal de Alagoas do bolso do paletó e leu: “A nossa atitude neste momento é de total solidariedade ao Brasil. Integrados no seio da pátria brasileira, qualquer linha de ação que se tome, será sempre a nossa. Não temos outro caminho a seguir a não ser expressar irrestrito apoio ao gesto do chefe do governo brasileiro”.
— Essa deve ser a nossa posição, comendador, sem vacilação, avaliou.
O industrial Gustavo Paiva, sentado ao seu lado, balançou a cabeça em concordância e se voltou para o rádio ligado ao seu lado, estranhando os sons que ele emitia. Aumentou o volume, que tinha reduzido com a chegada do amigo, e o ambiente foi tomado por pipocos, chiados e assovios sem qualquer locução.
Manoel Afonso Viana, que escutava com alguma deficiência, aproximou o ouvido direito do receptor e exclamou:
— Isso me parece um levante integralista! Os “camisas verdes” estão cercando o Palácio do Catete. Ouço perfeitamente as granadas assoviando sobre o Rio de Janeiro e ao fundo o matraquear das metralhadoras. Não há dúvidas, estamos diante de uma Revolução!
Gustavo Paiva, como sempre tranquilo, se esforçava para melhor sintonizar o rádio. Encontrou somente outros chiados e pipocos, que serviram para o comerciante português refazer seus prognósticos. Quase em choro e tremendo muito, desabafou:
— Isso é em Lisboa! Minha querida Lisboa deve estar em chamas! Caiu o governo…
Estas suas últimas palavras foram ditas na presença de uma empregada doméstica, que servia café com bolo de goma e, espantada, acompanhava o desespero do visitante.
Olhou para o patrão e percebendo que ele também já demonstrava preocupação, explicou:
— Seu comendadô, num é nada não. É dois aribu que tão trepados nos arames do aparêio (antena) inriba da casa brigando pru mode as tripas do piru.
Para surpresa do Comendador Gustavo Paiva, o vice-cônsul, sem graça e envergonhado pelo descontrole, disse baixinho:
— Melhor assim. Bom que está tudo em paz.
*A partir dos escritos de J. F. Maya Fernandes em Histórias do Velho Jaraguá e do jornal A Manhã de 14 de fevereiro de 1942.