O México em Águas Brancas

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Cheguei ao México em novembro de 1997. Passados alguns meses do pagamento de pedágio no setor consular assumi o setor político e de imprensa da embaixada, temas que sempre foram o de minha predileção na carreira diplomática; e que exerci em Santiago, Lisboa, Cuba e em todos os demais postos pelos quais transitei.

Ernesto Zedillo Ponce de Léon, sucessor de Carlos Salinas, em consequência do assassinato do candidato do PRI, Luís Colosio, estava no poder desde 1994.

A crise que pipocou e logo explodiu, ainda no início da gestão de Zedillo, em dezembro de 1994, com a liberação da flutuação do câmbio, controlado por Salinas até o final de sua gestão, desvalorizou o peso mexicano em cem por cento em relação ao dólar americano e provocou quebradeira geral e fuga de capitais. A crise ficou carimbada como o Efeito Tequila. Zedillo teve que iniciar um programa de resgate bancário no mesmo padrão daquele que Fernando Henrique Cardoso faria no Brasil. Efeito Tequila lá. Efeito Cachaça aqui.

Ernesto Zedillo Ponce de Léon assumiu a presidência sob um manto de desconfiança generalizada de uma população aterrorizada com o assassinato do candidato que ele substituíra no último minuto da campanha.

Afinal, ele era o Chefe da Campanha do defunto e, coincidentemente, não foi junto com a equipe ao último ato de campanha em Tijuana, onde Colosio levou um tiro na cabeça quando não contava com a segurança protocolar. Só a polícia local estava lá para oferecer segurança. Muito estranho, murmuravam em ruas, becos, casebres e palacetes por todo o México.

Com um perfil oposto ao de Salinas, o economista formado na Universidade de Yale, nos Estados Unidos, era um homem discreto, sério, professoral e respeitado na sua postura reservada. Salinas, nos bastidores, foi obrigado pela cúpula do PRI a indicar Zedillo para substituir Colosio e concorrer em seu lugar. Um ato político certeiro de Zedillo foi prender Raúl Salinas, o irmão de Carlos, louco por dinheiro, luxo, festas, mulheres, bebida e conchavos criminosos. Carlos decidiu fazer as malas e emigrou para a Irlanda, onde vive até os dias de hoje.

O PRI, com Zedillo, tentava manter as aparências e o poder. O país estava em transição acelerada. As novas gerações da classe média e setores populares perdiam o medo de falar, criticar. Surgia um cinema renovado e de alta qualidade no país. Jornais revistas e movimento editorial também em transformação. Havia um grito que não estava mais parado no ar. As tendências do século XXI chegavam ao México na velocidade cada vez maior da internet no final dos anos 90.

Mas o México profundo ainda era imenso e poderoso. O Triângulo Dourado das belas paisagens montanhosas do Noroeste do México: Sinaloa, Durango, Chihuahua, berço e fortaleza do narcotráfico; coronéis da política, à moda antiga dos capangas, da chibata e do cano de revólver, disseminados por toda a vastidão do território, em lugares ainda inacessíveis e protegidos somente pela lei do cão.

O massacre de Águas Blancas, no Estado de Guerrero, limítrofe à Cidade do México, conhecido mundialmente pela principal cidade turística do país, Acapulco, governado por um assassino e facínora da política mexicana, Rubén Figueroa, manchou com sangue e impunidade a gestão de Zedillo, jogando cinzas vulcânicas na sua competência como gestor econômico.

Dezessete camponeses barbaramente assassinados com chuvas de balas de metralhadoras e vinte e três feridos no distrito rural do povoado de Águas Blancas. Crime: organizar uma associação de pequenos produtores de café da região da serra sul e tentar ir à capital federal em cima das carrocerias de dois velhos caminhões de carga para pedir subsídios do governo federal para suas plantações, colheita e comercialização de café.

A operação teve a participação de militares, policiais e paramilitares. Rubén Figueroa era o chefe supremo do Estado de Guerrero. Até os dias de hoje, 28 anos depois, os mandantes do massacre não foram responsabilizados e punidos. Prenderam, por alguns meses, alguns pobres coitados de Cristo como bode expiatório. Na melhor receita clássica da América Latina.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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