O grito do Zorro

Miguel Gustavo de Paiva Torres
Memórias do México

Em 31 de dezembro de 1994, ainda no governo cessante de Carlos Salina de Gortari, o governo mexicano anunciou ao mundo a sua entrada triunfal no mundo da modernidade ocidental com a assinatura do Tratado de Livre Comércio com os Estados Unidos e Canadá.

Uma injeção de expectativas de empregos e crescimento econômico para o povo mexicano. Na manhã do dia seguinte, primeiro de janeiro de 1995, o mundo foi tomado de surpresa com a cinematográfica entrada em cena de um exército guerrilheiro formado por indígenas e liderados por jovens mexicanos de etnia espanhola na Selva Lacandona, no Estado de Chiapas, na fronteira com a Guatemala.

Chiapas, também limítrofe do mais poderoso estado indígena do México, Oaxaca, conhecido como O Estado Soberano de Oaxaca, era e ainda é o estado mais pobre do México, majoritariamente indígena.

Aparece nas televisões do México e do planeta um novo Zorro, jovem, mascarado e fumando cachimbo, com a patente de subcomandante, porta-voz do insurgente Exército Zapatista de Libertação Nacional.

Tratava-se de uma organização político militar de corte pós-moderno e pós-marxista, inspirada no pensamento político e filosófico do renomado pensador e escritor mexicano Carlos Monsívais, que bebeu na fonte dos ideólogos da Revolução Mexicana, os irmãos Magón, intelectuais mexicanos de origem espanhola e cidadãos de Oaxaca. Pronuncia-se Oarraca.

Oaxaca foi sede do grande império indígena mesoamericano e pré-hispânico  da etnia Zapoteca,  que governou o México em aliança com os poderosos Aztecas de Tenochtitlán, quando Cortés foi recebido com honrarias naquela corte e, na calada da noite, promoveu um massacre geral e deu início à conquista e derrubada das grandes civilizações Azteca, Zapoteca, Mexica, Mixtale e Maia, estes últimos situados ao sul, predominantes na região de Cancún e de toda a Península de Yucatan, hoje paraíso do turismo, baladas, sol , mar, jogo e drogas.

Foi um mestiço zapoteca, Benito Juárez, órfão aos três anos de idade, trabalhador infantil em regime de semiescravidão nas “Haciendas” e  em casas de colonos abastados de Oaxaca, quem conseguiu, sozinho, depois com a ajuda de uma tia, se alfabetizar e, mais tarde, se graduar em Direito.

O Licenciado Juárez, como chamam no México a todos aqueles que tem graduação universitária, foi o mais importante benfeitor e presidente da República Mexicana.

Presidente da Suprema Corte, articulador e redator da Constituição de 1857, marco fundamental na introdução dos valores democráticos, direitos humanos e direitos civis na América Latina. A mais avançada na história do século dezenove.

Liberal, travou uma luta encarniçada contra os conservadores que dividiam o México em classes humanas distintas: com direitos e sem direitos. Com direitos estavam contemplados os hispânicos no topo da pirâmide, os Crioulos, ou seja espanhóis nascidos no México na segunda posição e, sem direitos, os indígenas, ainda maioria absoluta da população mesmo com o genocídio infligido pelas espadas e canhões e, principalmente, pela varíola, a arma biológica introduzida no México pelos Conquistadores.

(Continua).

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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