O privilégio das palmas
Edberto Ticianeli
Felice Peretti, que depois adotou o nome de Felice Piergentile, iniciou seu papado em 24 de abril de 1585 como Sisto V.
Poucos meses após estar à frente da Igreja Católica decidiu realizar uma obra que marcasse a sua passagem por Roma. Convocou o arquiteto Domenico Fontana e lhe deu a tarefa de retirar o obelisco do antigo circo de Nero e transportá-lo para a Praça de São Pedro.
Construído pelos romanos no Egito, essa peça foi levada à Roma por Calígula no ano de 37 para ser a “espinha” do circo do Vaticano, que já estava sendo erguido. Encontrava-se quase soterrado a 300 metros do local onde o Papa Sisto V pretendia fixá-lo.
O transporte teve início em maio de 1586 e durou quatro meses, envolvendo centenas de homens. Para erguê-lo foi marcada a data de 10 de setembro e mobilizados mais de 900 trabalhadores para tracionar uma máquina de madeira construída por Domenico Fontana.
Era considerada uma façanha técnica histórica, cercada de inúmeras preocupações, considerando que qualquer falha destruiria o monumento.
Uma das exigências do arquiteto era que durante a operação se fizesse silêncio total no ambiente para que suas ordens fossem ouvidas claramente pelos operadores da máquina. Os comandos eram dados também por cornetas e tambores.
O Papa publicou então um decreto determinando o silêncio no local e estabelecendo que qualquer um entre os admitidos na praça que falasse alguma coisa ou perturbasse a operação seria punido com a morte.
No dia determinado para a ereção do obelisco, Sisto V, sua corte e inúmeros convidados ocuparam os estrados erguidos para acomodar os espectadores.
Os trabalhos começaram e dezenas de cordas foram tracionadas pondo em movimento o obelisco de 26 metros de altura e 350 toneladas, que lentamente se elevou para a posição vertical.
O Papa, contente com o que via, fazia gestos com as mãos e cabeça estimulando e aprovando o que estava sendo realizado.
Faltavam poucos movimentos quando se ouviu no meio da multidão uma voz retumbante:
— Água às cordas! (Aiga ae corde em dialeto da região da Ligúria)
Seu autor foi o capitão de um navio genovês de nome Bresca, natural de Sanremo. Bresca, após dar o aviso, imediatamente se entregou aos guardas para sofrer a punição.
O experiente comandante de navio havia percebido que devido ao atrito algumas cordas estavam ressecadas e prestes a escorregar, o que não aconteceria se fossem molhadas.
Domenico Fontana conversou com ele e aceitou sua recomendação, ordenando que se colocasse água nas cordas, permitindo a conclusão do serviço sem problemas.
Depois foi até Bresca, o abraçou em agradecimento e o conduziu até o Papa, a quem pediu o seu perdão. Sisto V disse que além de perdoá-lo gostaria de recompensá-lo e que ele escolhesse o prêmio.
Bresca pensou um pouco e lembrando que em sua cidade natal se cultivavam muitas palmeiras, cujos ramos eram adquiridos pelo Vaticano todos os anos para o Dia das Palmas (Domingo de Ramos), solicitou que a ele e aos seus descendentes fosse garantido por tempo indefinido o monopólio no fornecimento das palmas ao palácio apostólico para a Festa de Ramos.
No dia seguinte ele recebeu um diploma lhe conferindo o privilégio solicitado e ainda o nomeando Capitão Honorário do 1º Regimento, com direito de hastear a bandeira pontifícia a bordo do seu navio.
Essa tradição mantém-se até os nossos dias. Todos os anos uma carga de palma de ramos é levada até Roma para as tradicionais cerimônias religiosas.
A família Bresca agradece ao capitão pela ousadia de não ficar calado e opinar sobre o que é correto ser feito, mesmo quando sua vida está em jogo.