O velho Saúl
Miguel Gustavo de Paiva Torres
Estava distraído e tomei um susto quando o velho Saúl chegou, carregando um saco mochila nos ombros. — Banco — perguntou impávido. Parecia um personagem saído do deserto nos filmes antigos de bandoleiros e mocinhos da “Películas de México”, a PEMEX.
Parei de escrever no computador e fiquei olhando para ele. Ninguém havia comentado a respeito de Saúl. Falando em mexicano explicou que estava indo ao banco e poderia descontar cheque ou depositar dinheiro, caso necessitasse “plata”.
Fiquei perplexo quando me inteirei de que Saúl repetia, há décadas, aquele ritual profissional na embaixada-consulado: acordava na embaixada, tomava banho, vestia-se e ia de sala em sala, saco nos ombros, recolher cheques e dinheiro da contabilidade do posto e de todos os funcionários para “fazer” o banco, no movimentado centro financeiro da Cidade do México. Ele e o motorista. Desarmados.
Cego de um olho, compenetrado da importância do seu trabalho e retidão moral, Saúl era homem de confiança. De toda maneira, achei aquilo uma temeridade. Em uma das cidades mais violentas do mundo. Ora, eu ainda não conhecia a realidade mexicana. Ouvia falar.
Na realidade, nos anos 90 do século passado, a violência e a criminalidade eram compartimentadas e localizadas. Os narcotraficantes se entendiam e se matavam entre eles. Os turistas e cidadãos eram assaltados nos “táxis de rua” ou no imenso mercado popular de Tepito. Aí sim, perigoso. Especializado na compra e venda de produtos roubados, contrabando e drogas. Fora isso, mariachis, trios, flores, tequila e amores.
A primeira coisa que me falaram ao chegar na Cidade do México, ainda no aeroporto, foi: — não tome táxi de rua. Só táxi de “sítio” — pontos oficiais.
Existia quase um milhão de táxis rodando na cidade. Estimavam que, pelo menos, cem mil eram ilegais, falsos, dirigidos por bandidos. Depenavam os passageiros.
O consulado vivia cheio de brasileiros depenados. Todos nos fusquinhas verde e branco. Os táxis de ponto eram carros confortáveis, amarelo e preto, mas não havia número suficiente para a demanda.
Um belo dia, como previra em meus pensamentos, o pobre Saúl e o motorista da embaixada foram assaltados ao saírem do banco. Uma comoção na embaixada. Depois de mais de vinte anos de perfeita rotina aconteceu o imaginável: assaltados, sem armas de fogo, no grito, na saída do banco.
Todos perdemos dinheiro. Ainda tivemos que fazer uma vaquinha para repor o dinheiro oficial da embaixada, também levado pelos “metralhas” mexicanos.
Ninguém queria demitir o bom Saúl e o pacato Manuel, o motorista. Incluíram um terceiro personagem para proteção aos dois, nas idas ao banco, e a vida continuou em boas águas.