Boleia de avião

Miguel Gustavo de Paiva Torres
MEMÓRIAS DE PRAGA

É sempre uma emoção que se repete, angústia e medo entrelaçados com a adrenalina da esperança e da animação. A bipolaridade do enfrentamento do desconhecido.

O novo mundo em que vamos mergulhar, assentar e viver. Assim é a vida nas carreiras do serviço exterior. Malas nas costas, meninas e meninos nas mãos. Várias vidas em uma só vida. Vários mundos em um mesmo mundo.

Olhando para baixo, na janela do avião, a última visão do vale da Cidade do México com o seu eterno vulcão em forma de mulher deitada, esperando o cio para soltar fogo e fumaça.

Olhando para baixo, na janela do avião, campos de neve. O branco e o cinza. Frio na barriga. O avião da Ceska Airlines tocando o asfalto na pista de pouso do Aeroporto Ruziniê, em Praga, capital da República Checa, antigo Reino da Boêmia, Europa Central Ocidental tocando o início do Europa Oriental, o antigo bicho papão da cortina de ferro soviética.

Começam, como sempre, as surpresas que espantam o frio na barriga e esquentam esperanças no coração dos retirantes que chegam ao destino da nova morada.

Um pequeno aeroporto, singelo, aquecido, quase infantil, com o seu pequeno aeroplano azul e branco pendurado no teto. Pessoas simples, naturais, humanas como todos os humanos, circulando pacificamente no saguão e corredores.

Um jovem checo, vestido e educado como um lorde, abrindo um sorriso e se apresentando como chofer da embaixada, encarregado de receber o novo ministro-conselheiro designado, sua esposa e seus dois filhos, pré-adolescentes.

O século acabara de virar. Os computadores e os relógios não pararam e a terra continuou a girar como a bola azul que sempre foi.

Entramos na portentosa van velha, com pinta de comunista, e lá fomos nós para o apartamento provisório alugado, a nosso pedido, pela embaixada. Neve, neve, neve. Chegamos na periferia da cidade. Reconheci os edifícios populares clássicos do leste europeu construídos para operários e trabalhadores.

Entramos na área metropolitana da antiga burguesia, destituída e retirada do poder pelo golpe de estado do partido comunista checo que, em 1948, encerrou a democracia, fechou o parlamento e deu início à ditadura do proletariado, sob os auspícios da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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