Sala de cinema

Miguel Gustavo de Paiva Torres
MEMÓRIAS DE PRAGA

Quando chegamos em Praga, no início do ano 2000, a República Tcheca acabara de completar sete anos de sua nova independência, em 1º de janeiro de 1993, saindo definitivamente da sua condição de satélite da órbita soviética.

A transição do sistema comunista para o modelo liberal ocidental foi planejada com cuidados para não criar caos social, como ocorreria mais tarde com a dissolução da União Soviética e ressurgimento da Rússia.

Os Estados Unidos e seus aliados exerceram papel importante nessa transição para novo modelo institucional democrático, liberdade de expressão, renascimento cultural nacional e economia de mercado, na órbita ocidental.

Em apenas sete anos a presença de “expatriados” norte-americanos e europeus já chegava na casa dos quarenta mil residentes na nova república, a grande maioria em Praga.

Os expatriados, incluindo o corpo diplomático, dispunham de um jornal em língua inglesa, “The Prague Post”, moderno e impresso a cores, cobrindo notícias nacionais, internacionais e com excelente guia cultural, chamativo de leitores assíduos.

Eu e meu filho mais jovem, Tomás, éramos cinéfilos de carteirinhas e não entendíamos porque não conseguíamos encontrar salas de cinema na cidade. A lindíssima sala do Cine Lucerna, no antigo centro comercial, com o mesmo nome, havia sido transformada em local para shows e eventos.

No jornal finalmente encontramos publicidade de um pequeno complexo de quatro salas modernas, “City Star”, com os últimos lançamentos “blockbuster”.

Não tivemos dúvida, com mapa e endereço na mão tomamos o metrô — aliás, magnífica obra de engenharia — e fomos para a estação de Cerny Most, na periferia de Praga.

Quase uma hora de viagem e ainda não tínhamos chegado em Cerny Most. Chegamos e fomos surpreendidos com o fato de que todos os filmes exibidos ali eram dublados na ainda, para nós, indecifrável língua checa e não tinham legendas.

Escolhemos “Eu, eu mesmo e Irene”, sucesso da hora no mundo inteiro, com o excelente Jim Carrey. Sala lotada, pipoca, coca-cola, balas, chocolates e muita animação juvenil, como nos meus tempos de Plaza e Lux, nos bairros do Poço e da Ponta Grossa, em Maceió.

Rimos muito, algumas vezes com as expressões cômicas do Jim Carrey, outras vezes acompanhando as gargalhadas da audiência.

Nunca mais repetimos a aventura, até porque, no final do ano 2000, já haviam inaugurado luxuoso shopping na principal avenida comercial do centro da cidade, com todas as grifes possíveis e grande complexo de salas de cinema, exibindo os últimos lançamentos mundiais, com legendas em língua inglesa. A transição avançava.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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