Diretas Já! e Colégio Eleitoral: lições para a história
Edberto Ticianeli
Foto Principal: de Geraldo Guimarães do Estadão Conteúdo
Em janeiro de 1980 o Instituto Gallup divulgou o resultado de uma pesquisa realizada no Rio e em São Paulo revelando o pessimismo da população diante dos problemas econômicos do país.
A descrença quanto a um futuro melhor chegava ao ponto de os torcedores de futebol não acreditarem na conquista da Copa do Mundo em 1982 e 1986. Acertaram em cheio.
Dos entrevistados, 47% acreditavam que o país estaria melhor com um civil na presidência da República e indicavam os políticos que tinham maiores chances de sucesso nos anos seguintes. Eram eles, pela ordem: Franco Montoro, Luís Inácio da Silva (Lula), Olavo Setubal e Ulisses Guimarães.
Estava a aberta a temporada de preparação para candidatos à presidência da República.
Um mês após a divulgação dessa pesquisa, Lula participou da fundação do Partido de Trabalhadores sabendo que era um forte candidato a dirigir os destinos do país.
Teotônio Vilela
A compreensão que o fim da Ditadura Militar não estava tão distante não era novidade para ninguém. No mundo político todos sabiam que os militares estavam batendo em retirada e que era hora de preparar candidatos para a disputa do voto popular.
O senador alagoano Teotônio Vilela foi um dos que se articularam a partir de Brasília para se constituir como opção ao governo do país. Com o Projeto Brasil, apresentado em meados de 1977 e propondo um “capitalismo socialmente responsável”, Vilela esperava submetê-lo aos eleitores como base para um programa de governo.
Com esse objetivo, em 25 de abril de 1979 Teotônio levou armas e bagagens para o MDB e lá se entrincheirou para fortalecer a oposição.
Em 1982, o PT preparava o a sua principal liderança e apresentou Lula como candidato ao governo de São Paulo, obtendo 1,144 milhão de votos e ocupando a quarta posição. Dez dias antes das eleições, o Jornal dos Trabalhadores nº 16, indicava o espaço que então o partido procurava ocupar no espectro político. Na capa, o candidato Lula pedia: “Vote 3, porque o resto é burguês”. O resultado negativo surpreendeu a direção partidária.
Mesmo já tendo descoberto a doença que o mataria no ano seguinte, Teotônio Vilela lançou, ainda em 1982, a campanha por eleições diretas. A proposta foi apresentada durante entrevista no programa Canal Livre da Rede Bandeirantes, no dia 10 de outubro.
Diretas Já!
O primeiro ato pelas eleições diretas ocorreu no dia 31 de março de 1983 e foi organizado por militantes do PMDB do município de Abreu e Lima em Pernambuco. Temia-se a repressão ao evento por se tratar de uma data comemorada pela Ditadura Militar. Um pouco mais de 100 pessoas participaram do comício.
Na terça-feira, 19 de abril de 1983, o Diário do Congresso Nacional nº 468, publicou na página 78 a Proposta de Emenda à Constituição nº 5, apresentada em 2 de março de 1983, de autoria do deputado Dante de Oliveira (PMDB/MT), reestabelecendo as eleições diretas para presidente e vice-presidente da República.
Mesmo com essa iniciativa legislativa, a campanha não cresceu como era esperado e em 1983, além de algumas passeatas, somente mais cinco atos foram realizados. O maior deles foi em São Paulo, no mesmo dia em Teotônio Vilela faleceu (27 de novembro). Mobilizou 15 mil pessoas.
No dia seguinte, segunda-feira, um avião fretado à VASP voo de São Paulo a Maceió, via Brasília, com vários parlamentares. Foram a Alagoas para se despedirem de Teotônio Vilela. Na viagem, Lula e Ulysses Guimarães conversaram pela primeira vez sobre a necessidade de atuarem de forma conjunta na campanha por eleições diretas.
Franco Montoro, governador de São Paulo, avalizou o acordo, concordando com a formação de uma frente multipartidária, mas advertiu que se houvesse hostilidades dos petistas com os peemedebistas, ficava difícil realizar comícios juntos.
Segundo o Jornal do Brasil, Lula não reagiu bem quando foi discutida a participação de Brizola, argumentando que ele era muito cheio de “nhem-nhem-nhem”. Preferia marcar um comício no Rio e convidar o governador: “Se ele quiser vir, que venha”, teria dito o líder sindical.
No dia 19 de dezembro de 1983, Ulysses Guimarães, presidente do PMDB, se apresentou como candidato à presidência da República em voto direto e manifestou sua esperança de ver no Natal o presidente João Figueiredo anunciado as eleições diretas.
Explicou que essa decisão se baseava em pesquisas e que em janeiro e fevereiro de 1984 faria uma campanha de mobilização esperando levar milhares de brasileiros às ruas em atos públicos nas principais capitais do país.
Aproveitou para alfinetar o governador fluminense, dizendo que sua ideia de mobilização pelas diretas era tão boa “que já ouvi dizer que o Brizola pegou a coisa e vai promovê-la no Rio”. Era uma provocação, considerando que o governador do Rio já vinha realizando passeatas.
No início de janeiro de 1984, Ulysses Guimarães recebeu Lula em sua casa e conversaram sobre a convivência das diversas candidaturas à presidência da República no mesmo palanque das Diretas. Acertaram que ninguém se apresentaria como tal para evitar a ruptura da frente. Lula ponderou que “cada partido pode apresentar seu candidato, depois que as diretas forem alcançadas”.
E assim, a partir de janeiro de 1984, a campanha Diretas Já! tomou as ruas. Naquele mês, 10 atos aconteceram em grandes cidades do país, o maior deles em São Paulo no dia 25 de janeiro, com 300 mil pessoas na Praça da Sé. O de Maceió, no dia 29, ocorreu na Pajuçara e contou com a presença de aproximadamente 20 mil pessoas.
Em fevereiro foram realizados mais 12 comícios. Belo Horizonte reuniu 400 mil pessoas e o Rio de Janeiro mobilizou 200 mil, nos dois maiores eventos. Até o dia 16 de abril, mais sete comícios foram realizados, com os maiores acontecendo no Rio de Janeiro (1 milhão), Goiânia (300 mil), Porto Alegre (200 mil) e, encerrando a campanha, o apoteótico ato de São Paulo com 1,5 milhão de pessoas nas ruas.
A Emenda Dante de Oliveira foi votada na noite de 25 de abril de 1984 e não conseguiu os votos suficientes. Precisava de 320 votos e obteve 298.
A campanha marcou profundamente a história política brasileira por ter atingido um nível de mobilização nunca visto antes. O cartunista Henfil, que foi quem criou a marca “Diretas Já!”, a eternizou com a imagem de Teotonio Vilela bradando com sua bengala por eleições diretas.
Colégio Eleitoral
Com a derrota da emenda que permitiria eleições diretas, os olhares políticos se voltaram para o Colégio Eleitoral que escolheria o sucessor do general Figueiredo.
O Informe JB de 23 de dezembro de 1983 revelava o que todo mundo já sabia: muitos dos que se projetaram na mobilização por eleições Diretas, estavam de olho nas Indiretas.
No PMDB, o maior partido da oposição, esses olhares partiam de Tancredo Neve e Ulysses Guimarães. O primeiro sabia que seu nome era mais palatável nos bastidores e o segundo apostava no apoio das ruas para ser o candidato a disputar os 686 votos dos delegados dos estados.
O problema era a composição do Colégio Eleitoral (PDS, 361; PMDB, 273; PDT, 30; PTB, 14; e PT, 8 votos). Como o PDS tinha maioria absoluta, o candidato da oposição teria que conseguir votos do partido do governo, tarefa de difícil execução para o “radical” Ulysses Guimarães.
Leonel Brizola também não tirava o Palácio do Planalto dos seus sonhos de consumo. Para impedir que o PMDB assumisse o poder via o Colégio Eleitoral, chegou a propor a prorrogação do mandato de Figueiredo por mais dois anos. Queria eleições diretas somente em 1986, o que lhe permitiria entrar na disputa em melhores condições.
O PDT apoiava Tancredo Neves de forma crítica. Isso ficou mais evidente quando o líder mineiro antecipou o anúncio da composição do seu ministério. Foi criticado por Brizola. Tancredo rebateu citando como incompetente o secretariado do Rio de Janeiro. Resultado: Brizola devolveu o convite para a posse do presidente.
PT e o Colégio Eleitoral
Dias antes da reunião do Colégio Eleitoral, o PT de Lula ainda discutia sua participação ou não nessa instância. O debate foi tão polarizado que, no início de dezembro de 1984, o PT do Rio de Janeiro decidiu que seus delegados deveriam votar em Tancredo Neves.
Para os analistas da época, o debate acontecia, mas o resultado já era esperado. No dia 25 de novembro de 1984, o jornalista Villas-Bôas Correia, do JB, avaliava que Tancredo já sabia naquela data que Leonel Brizola e Lula não participariam da sua eleição no Colégio Eleitoral. “Cada um tem o seu caminho próprio, que passa pela ocupação do espaço oposicionista, mas sedutor eleitoralmente do que os apertos e sufocos de um governo difícil. Tancredo sabe que Brizola e talvez Lula são aliados de circunstância. Sabe e, talvez, deseje”.
No Partido dos Trabalhadores, o centro das discussões era se o PT deveria se engajar no projeto amplo, mais conservador, que encerraria o período ditatorial ou se arriscaria em um isolamento momentâneo, mas com ganhos políticos e eleitorais no futuro.
Lula avaliava que não havia risco de Paulo Maluf derrotar Tancredo Neves, afastando a possibilidade de serem acusados de permitirem a vitória do então governador de São Paulo. O líder petista argumentava que Tancredo Neves não deixou o governo de Minas Gerais para disputar a presidência da República sem saber que os votos do PT não iriam para ele.
O partido somente se posicionou após a realização do Encontro Nacional Extraordinário em Diadema, São Paulo, realizado nos dias 12 e 13 de janeiro de 1985, dois dias antes da votação no Colégio Eleitoral.
Uma faixa na mesa diretora dos trabalhos indicava a posição a ser tomada pelo PT: “Colégio Eleitoral. Traição Nacional”. Outra, logo atrás, denunciava: “Colégio Eleitoral. Urna da Ditadura”.
O Encontro decidiu que o partido não votaria em nenhum dos candidatos no Colégio Eleitoral. Mas não foi isso que aconteceu. Três dos oitos deputados petistas votaram em Tancredo Neves. Airton Soares (PT/SP), José Eudes (PT/RJ) e Bete Mendes (PT/SP) descumpriram a orientação partidária e em seguida solicitaram desligamento antes de serem expulsos.
Luiz Dulci (PT/MG), Djalma Bom (PT/SP), Eduardo Suplicy (PT/SP), Irma Passoni (PT/SP) e José Genoíno (PT/SP) se ausentaram.
Com 26 abstenções, incluindo as cinco do PT, Tancredo Neves foi eleito presidente da República no dia 15 de janeiro de 1985. Obteve 480 votos, derrotando Paulo Maluf (180 votos). Foi votado por delegados do PMDB, da Frente Liberal (dissidente do PDS), do PDT, do PTB e do PT.
Eleições Diretas
Quando, em 1989, ocorreram as primeiras eleições diretas para escolha do presidente do país após o período ditatorial, lá estavam todos os nomes que vinham se preparando para essa disputa, principalmente os que tiveram participações destacadas nas mobilizações por eleições diretas ou na vitória de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.
Foram estes os candidatos (com seus vices) no 1º Turno:
Fernando Collor (PRN) e Itamar Franco (PRN) – 20.611.011 votos; Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e José Paulo Bisol (PSB) – 11.622.673; Leonel Brizola (PDT) e Fernando Lyra (PDT) – 11.168.228; Mário Covas (PSDB) e Almir Gabriel (PSDB) – 7.790.392; Paulo Maluf (PDS) e Bonifácio Andrada (PDS) – 5.986.575; Guilherme Afif Domingos (PL) e Aluísio Pimenta (PDC) – 3.272.462; Ulysses Guimarães (PMDB) e Waldir Pires (PMDB) – 3.204.932.
Abaixo de um milhão de votos ficaram: Roberto Freire (PCB) e Sérgio Arouca (PCB) – 769.123; Aureliano Chaves (PFL) e Cláudio Lembo (PFL) – 600.838; Ronaldo Caiado (PSD) e Camilo Calazans (PDN) – 488.846; Affonso Camargo Neto (PTB) e Paiva Muniz (PTB) – 379.286; Enéas Carneiro (PRONA) e Lenine Madeira (PRONA) – 360.561; José Marronzinho (PSP) e Reinau Valim (PSP) – 238.425; Paulo Gontijo (PP) e Luís Paulino (PP) – 198.719; Zamir José Teixeira (PCN) e William Pereira da Silva (PCN) – 187.155; Lívia Maria Pio (PN) e Ardwin Retto Grunewald (PN) – 179.922; Eudes Oliveira Mattar (PLP) e Daniel Lazzeroni Jr (PLP) – 162.350; Fernando Gabeira (PV) e Maurício Lobo Abreu (PV) – 125.842; Celso Brant (PMN) e José Natan Emídio Neto (PMN) – 109.909; Antônio dos Santos Pedreira (PPB) e José Fortunato da França (PPB) – 86.114; Manoel de Oliveira Horta (PDCdoB) e Jorge Coelho de Sá (PDCdoB) – 83.286; Armando Corrêa (PMB) e Agostinho Linhares de Souza (PMB) – 4.363. A chapa Silvio Santos (PMB) e Marcondes Gadelha (PMB) foi indeferida.
A competição entre esses 23 candidatos em 1989 revelava claramente que predominava a pulverização do “Cada um por si e Deus por todos”, permitindo a vitória de Fernando Collor, que no Colégio Eleitoral foi um dos três delegados de Alagoas a votar em Paulo Maluf e que até meses antes das convenções não tinha sequer um partido político.
Collor, com a Coligação Movimento Brasil Novo (PRN, PSC, PST, PTR), e Lula, com a Coligação Frente Brasil Popular (PT, PSB, PCdoB) foram os candidatos que mais partidos aglutinaram. Além deles, somente Afif Domingues, com a Aliança Liberal Cristã (PL, PDC), e Ronaldo Caiado, com a União Cidade Campo (PSD, PDN), conseguiram alguma ampliação. Todos os outros 19 candidatos concorreram contando somente com o seu partido.
No segundo turno, Lula foi o candidato que mais cresceu, saindo de 11.622.673 votos para 31.076.364. Collor, que venceu o pleito, ampliou sua votação de 20.611.011 para 35.089.998 votos.
Com o bom desempenho eleitoral de 1989 e projetado como o maior nome da esquerda brasileira após o regime militar, Luiz Inácio Lula da Silva candidatou-se novamente à presidência em 1994 e 1998. Fernando Henrique Cardoso saiu-se vencedor nestas duas eleições, sem precisar do 2º turno.
Lula somente venceria sua primeira eleição presidencial em 27 de outubro de 2002, após adotar um discurso mais moderado e colocar como candidato à vice-presidência o senador mineiro e empresário têxtil José Alencar (PL).
Garantiu aos eleitores que adotaria uma política ortodoxa para a economia, respeitaria os contratos e reconheceria a dívida externa do país. Com esse discurso, conquistou parcela considerável da classe média e até setores do empresariado.
Dezessete anos após o PT não participar do Colégio Eleitoral, foi com essa plataforma que Lula derrotou o senador paulista José Serra, do PSDB, apoiado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.
Lula presidente em 2002 era o coroamento da política adotada pelo PT em 1985 ou, ao contrário, era o reconhecimento que ela foi um erro?
O que dessa riquíssima experiência politica pode ser aproveitado para contribuir no atual debate sobre a conformação ou não de campos políticos para tirar o Brasil do atoleiro institucional e econômico em que se encontra?
Acertar o passo com a história é o desafio para todos nós.