Pedaladas Fiscais e Teto de Gastos flutuante

Edberto Ticianeli

O Brasil ainda não esqueceu da doutora e atual deputada Janaina Paschoal. Todos lembram dela vociferando e fazendo gestos teatrais para sustentar que a presidente Dilma Roussef havia cometido crime de responsabilidade ao pedalar fiscalmente.

Mas, o que seria essa pedalada que serviu de base para o impeachment da presidente?

O governo federal repassa o dinheiro para os bancos para que sejam distribuídos pelos programas e benefícios sociais (Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, seguro-desemprego e aposentadorias públicas).

Vários desses repasses sofreram atrasos (propositalmente ou não) para manter as metas fiscais (fugir do “vermelho”), mantendo artificialmente o superávit primário.

Sem esse dinheiro público para honrar os pagamentos, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil cobriam o déficit com recursos próprios, o que caracterizaria um tipo de financiamento da União.

O problema é que a Lei de Responsabilidade Fiscal proíbe empréstimos entre a União e instituições financeiras que ela controla.

Foi esse o argumento utilizado para a derrubada da presidente e que também serviu para empolgadas declarações contra a corrupção durante a votação do afastamento.

Mas como o mundo dá voltas e às vezes até capota, eis que o governo Bolsonaro se declara usuário de ações pedalantes.

Pensando nas eleições do ano que vem, o presidente não quer nem ouvir falar no fim do Bolsa Família (14 milhões de famílias). Na verdade, pretende rebatizá-lo de Auxílio Brasil, ampliado o seu atendimento para 17 milhões de famílias.

Mas como o orçamento deste programa para 2022 é insuficiente, de 34,7 bilhões de reais, e as alterações propostas geram um custo de cerca de 50 bilhões de reais, parte destes investimentos ficariam fora do teto de gastos.

Como houve reação do mercado a essa intenção, Bolsonaro rapidamente declarou que os 400 reais por família estavam garantidos, mas que não aceitava “furar o teto de gastos”. Correu para a torcida e jogou a bola para sua equipe econômica e para o poder legislativo.

Paulo Guedes anunciou que pedalaria, mas dentro da lei. Pediu a aprovação de uma PEC. contra a opinião dos seus assessores, que não gostaram do que viram na bola de cristal da economia e pediram para ir embora.

A “centrada” Câmara dos Deputados apoiou a solução e aceitou elevar o teto de gastos para ele não ser furado. Fez isso aprovando na Comissão Especial ontem à noite (21) uma PEC que altera o pagamento dos precatórios e muda o cálculo de reajuste deste limite, autorizando no orçamento o gasto de mais 81 bilhões de reais.

A medida permite ainda se driblar a regra de ouro por meio da lei orçamentária, possibilitando o governo contrair dívidas para pagar despesas correntes (pagamento de pessoal, juros da dívida, manutenção da máquina pública etc).

Pelas regras propostas, o IPCA, antes calculado entre julho e junho de anos seguidos, passaria a ter seus parâmetros retirados no intervalo entre janeiro e dezembro de um mesmo ano.

Entre julho de 2020 e junho de 2021, o IPCA receberia a incidência de uma inflação 8.53%. Com o novo intervalo de meses, somente de janeiro a setembro de 2021 a inflação já é de 10,25%.

A PEC ainda vai ser submetida a duas votações no plenário da Câmara e depois no Senado, tendo que receber dois terços dos votos nas duas casas.

Interessado em manter o governo nos trilhos (garantir o ganho deles), o mercado financeiro mandou recado, destacando que essas alterações aumentavam os riscos de se investir no Brasil. Ainda ontem (21), o Ibovespa operou em queda e o dólar em alta.

Para completar, Bolsonaro, admitindo que não há controle e nem política alguma sobre os preços dos combustíveis, resolveu agradar os caminhoneiros/eleitores e acenou para eles com um benefício que pode ser de 400 reais.

Pronto. O mercado passou a dizer que não entendia mais nada. De onde virá o dinheiro para esses gastos, perguntam.

O pedido de demissão dos principais assessores de Paulo Guedes indica que encontrar dinheiro para esses investimentos não será tarefa fácil.

Há claramente um conflito de interesses no governo. Bolsonaro e o Centrão se movem pela lógica exclusivamente eleitoral; Paulo Guedes é um agente do mercado financeiro que não consegue agradar a nenhum dos dois senhores.

Enquanto isso, a economia do país está à deriva, sem rumo, levando a população cada vez mais a desviar o olhar dos furos nos tetos para o abismo que ameaça se abrir aos seus pés.

E a Dilma Roussef, hem! Caiu após ser acusada injustamente de aumentar artificialmente o limite de gastos. Pergunta que não quer calar: por onde anda a contida Janaína Paschoal que não roda mais a baiana?

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

2 comentários em “Pedaladas Fiscais e Teto de Gastos flutuante

  • 22 de outubro de 2021 em 11:42
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    Narrativa muito bem feita e fundamentada!

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  • 22 de outubro de 2021 em 22:05
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    Texto super didático, será que ainda precisa desenhar?

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