Sala de aula

Miguel Gustavo de Paiva Torres

E lá estava eu. Aos 47 anos sentado na primeira fila de uma enorme sala de aulas, de pé direito alto e janelões, mais parecida com salões dos hospitais dos tempos do Imperador.

Fui bater lá porque tinha pavor de viver anos em um lugar onde não conseguisse entender patavina do que estava escrito ou do que falavam nas ruas, no rádio e na TV.

Os funcionários checos da embaixada — na Indonésia foi igual — me desanimavam. Não vá estudar checo. Não vale a pena. Essa língua só tem serventia aqui. Você vive bem falando inglês e francês.

Herval, ladino e brilhante, me chamava no canto e sussurrava: — vá estudar checo sim. Eles não querem que você entenda o que falam aqui dentro. Por isso fogem de mim. Entendo e falo a língua e a alma deles.

Também precisava me ocupar nos gélidos e soturnos meses do longo inverno da Europa central, onde a noite cai depois das 3 da tarde, em dezembro, janeiro e fevereiro. Não há cachaça, conhaque ou grappa capaz de lhe animar.

Foi assim que descobri duas coisas: primeiro que a palavra “pozor” que tanto me intrigava e estava escrita por todo lado, nas estações de trem, do metrô, paredes de lojas, teatros etc., significava “perigo”. Ai meu Deus, escapei por pouco. Segundo que existia um curso gratuito de língua checa para estrangeiros, na Faculdade de Teologia Protestante da Universidade Carolina, três dias por semana, das 6 da tarde às 8 da noite.

Foi a melhor coisa que me aconteceu em Praga. Sobrevivi feliz aos invernos. Sala de aula com gente de todas as idades, de vários países, feias e lindas, simpáticos e antipáticos. Estava de volta ao passado.

A professorinha mais linda que vi e tive na minha vida. Cabelos pretos, curtinhos, olhos verdes esmeralda, branca como a neve, roupas soltas, livre de soutien, doce e competente. Quando vinha ver o resultado do meu “diktat” se curvava compenetrada. Eu, imóvel como uma lagartixa no teto, não queria olhar. Não queria morrer. Usava meias pretas rendadas.

Essa Faculdade de Teologia da Universidade Carolina de Praga mais parecia uma escola de arte. A Kava, café-bar da Faculdade, só tocava música de vanguarda e a garotada super descolada bebia, abraçava, conversava, paquerava.

Comecei a chegar na Faculdade duas horas antes das aulas, com a desculpa de estudar e revisar os deveres de casa. Foi um mergulho na fonte da juventude.

A Universidade Karlovy V Praze — Carolina, em homenagem ao rei da Boêmia Carlos III — é um dos mais antigos e venerado templo acadêmico europeu.

Medicina e Teologia da Carolina são referências na história universitária da civilização ocidental. Três faculdades de teologia: Católica, Protestante e Hussita, esta estuda a teologia do reformista checo Jan Huss.

Inesquecível. Basta, falam em checo o nosso basta. Aprendi que a língua, de raízes eslavas, havia incorporado mais de trinta por cento de raízes latinas.

Minha linda “professorka” ficou em Praga.

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