Mulher de César
Edberto Ticianeli
Antênio Bartolomeu era vereador de muitos mandatos em um pacato município alagoano do agreste. Bom de conversa e exímio equilibrista político, sabia como poucos se manter equidistante do lado do bem e do lado do mal do poder.
Tendo dificuldades no manejo das letras, compensava essa deficiência com a sabedoria adquirida nos duros anos que passou vendendo farinha na feira da cidade, sempre a melhor e “novinha”, recém-chegada de Itabaiana, “sergipana da boa!”, garantia.
Levava vida tranquila até ficar viúvo de Coralina, sua companheira de muitos anos. Sem filhos, ficou sozinho na confortável casa construída em frente ao açude.
A solidão não demorou muito e meses depois casou-se novamente. Após um breve período de namoro, agarrou-se, dia e noite, aos volumosos dotes da galega Palmira, competente profissional manicure do salão de beleza de Madame Belinha.
Semanas depois da celebração da união, a tranquilidade do edil foi embora. Começou a perceber que não só ele era atraído pelos volumes da Palmira. Mesmo quando na igreja, um lugar protegido contra o pecado, notava olhares gulosos dirigidos a sua jovem consorte.
Atormentava-o mais ainda saber que sua mulher já tinha alisado a mão de muitos homens da cidade. Passou a suspeitar de tudo que ela fazia. Bastava dizer que ia na casa de uma amiga que imediatamente lhe vinha algo à cabeça.
Certo dia, quando assistiam à apresentação na cidade da famosa banda Cuscuz de Cinza com Leite de Labirinto, percebeu que Palmira não parava de piscar o olho para o cantor. Perdeu o controle e saiu da praça arrastando-a pelo braço.
No dia seguinte, sabendo que sua atitude lhe provocaria desgaste político, resolveu se antecipar e procurou a ajuda do velho amigo Pompeu, escrivão do cartório, versado em história e conhecedor das leis.
O experiente rábula não deixou o amigo na mão e o orientou a fazer um pronunciamento na Câmara Municipal com base no histórico episódio que envolveu o romano Júlio César e sua esposa Pompeia, que não poderia estar sob suspeita.
Assim procedeu Antênio. Mal começou a sessão da Câmara, pediu a palavra, pigarreou duas vezes e deitou falação, claro que adequando o que se passou na antiga Roma aos seus limitados entendimentos.
— Sou um representante do povo, tal qual César era na Roma. E tanto lá quanto cá, nossas mulheres devem ser honestas, não basta parecerem honestas. Digo isso para explicar o meu modo de tratar minha mulher na noite de ontem.
Bebeu um pouco d’água, cumprimentou o vereador Zé Salú, que acabara de entrar no recinto, e continuou:
— Mas não sou tão radical como o César, que mesmo sabendo que o pé-de-pano que deu em cima da mulher dele nada conseguiu, mandou ela embora. Dei uns puxões no braço da minha, mas não vou largar dela.
O que Antênio não sabia era que dias antes o irmão de Zé Salú, o pastor César Padeiro, teve sua mulher envolvida num escândalo amoroso, motivo da separação do casal, fato que vinha sendo mantido em segredo.
— O caro colega me permite um aparte? — interveio Zé Salú sem ter ouvido o início do discurso.
Com o consentimento de Antênio, Zé Salú prosseguiu:
— Fico surpreso, caro colega, em ver o senhor aqui explorando o problema vivido por meu irmão César. O pior é que está mentindo. Meu irmão, quando soube das gaias se separou na hora da mulher dele. Diferente do senhor que é um corno manso, leva ponta da mulher todo dia e ainda vive com ela.
Antênio ficou paralisado sem entender a reação do vereador líder do governo. Desceu da tribuna e foi embora sem dizer mais palavra alguma. Sentia-se destruído, principalmente por saber que Palmira vinha lhe traindo.
Antes de chegar em casa, encontrou Pompeu na porta da farmácia, que foi logo lhe perguntando:
— E aí, Antênio? Deu certo o discurso?
— Deu não! Ficou pior. Essa história dos cornos de Roma me lascou.
— O que foi que aconteceu?
— Agora toda a cidade sabe que César Padeiro e eu somos cornos.
Dito isso, foi ao encontro da sua mulher para acabar o casamento. Afinal não era nenhum nobre romano e Palmira estava longe de parecer honesta.