Quando Vovô Índio tentou destronar Papai Noel

Edberto Ticianeli

Quem tentou mandar o bom velhinho para casa no final de 1932 foi o jornalista e escritor paulista Cristovão de Camargo.

Tudo começou por acaso. O também poeta concedeu entrevista a’O Globo propondo, despretensiosamente, a substituição do “Papá Noel” pelo Vovô Índio. Sugeria também que o pinheiro europeu fosse deixado de lado e em seu lugar fosse escolhida uma árvore da flora nacional.

Para sua surpresa, a ideia despertou a simpatia de muita gente e a crítica de tantas outras. A polêmica foi parar nos jornais, o que o fez se embandeirar de sua proposta, transformando-a numa campanha, que contou principalmente com o apoio da imprensa integralista liderada pela Sigma Jornais Reunidos, empresa vinculada ao movimento fascista liderado por Plínio Salgado.

Cristovão de Camargo

Consciente da repercussão da sua ideia, Cristovão solicitou a pintores e escultores a criação da imagem do Vovô Índio para facilitar a construção mítica do símbolo nativista.

Tinha o cuidado de não criticar Papai Noel e chegava até a reconhecer sua graça, encanto e doçura, mas avaliava que no Brasil ele se sentia deslocado por ser um alemão, disciplinado e severo, que tinha que conviver com as traquinagens das crianças brasileiras.

Observava também que a avançada idade do velhinho europeu o colocava mais como um bisavô e não um papai. Destacava ainda que “Papá Noel” era habituado à neve e se vestia para enfrentar oito graus abaixo de zero, enquanto que nos trópicos se fazia 38 graus à sombra.

“Essa inadaptação da sua indumentária aos ardores da canícula acabaria sendo-lhe fatal, e nós vivíamos arriscados ao desgosto de encontrar um dai o hóspede amável estirado no asfalto, vítima de um ataque de insolação. Que desastre para o nosso bom nome lá fora!”, argumentava Cristovão.

Vovô Índio não teria problemas por estar em sua terra, entre sua gente, no seu clima, além de ser conhecedor das crianças brasileiras e dos seus desejos, capaz de perdoar as suas pirraças e de lhes oferecer os melhores conselhos.

Entre os que criticavam a “ideia pirotécnica” do poeta paulista estavam Ribeiro de Couto, que disse não ver com bons olhos a importação do Papai Noel, mas defendia que no Natal deveria ter somente o Deus Menino e o Presépio, se opondo à “lembrança estapafúrdia, quase cretina, de substituição do siberiano ‘Papá Noel’ pelo imbecilVovô Índio’… Mas, Santo Deus, continua a ser infinito o número dos imbecis!”.

O escritor Oswaldo Orico surgiu com outra proposta: avaliava que seria mais sensível às nossas crianças a imagem da Mãe Preta, “legítima depositária dos nossos pensamentos e mestra da nossa sensibilidade”.

Enquanto o debate continuava, a comissão julgadora não encontrava o tipo para representar o novo personagem natalino brasileiro e adiou o concurso. Mas Cristovão não se descuidava da sua cria e ainda em dezembro de 1932 apresentou o conto “A verdadeira história do Vovô Índio” no suplemento do Jornal do Brasil na edição do dia 25.

No último dia do mês, Vovô Índio já era motivo de chacota, sendo anunciado como participante da passeata de motociclistas organizada pelo Moto Club do Brasil no Rio de Janeiro: “Como nota pitoresca da passeata, a rapaziada do MCB convidou Vovô Índio a tomar parte da brincadeira. Vovô Índio aceitou porque não tem agora muito que fazer, e prometeu distribuir lembranças entre a gurizada e o belo sexo”.

Em Pernambuco, o Jornal de Recife de 14 de janeiro de 1933 anunciava em sua coluna Carnaval que “’Pai Xingú’, chefe de uma tribo mongol e genitor do deletério ‘Vovô Índio’, acaba de desafiar o campeão Zeca Floriano para uma ‘luta livre’ no circo do seu papá!…”.

Nos jornais, dezenas de letras de músicas brincavam com o Vovô Índio. Em inúmeros textos, o substituto do Papai Noel era citado, quase sempre com bom humor.

Finalmente, no dia 1º de fevereiro de 1933, realizou-se a escolha do “tipo clássico” para simbolizar o Vovô Índio. A comissão julgadora, composta por Adrianna Janacopulos, Rachel Prado, M. Paulo Filho, professor Lucilio de Albuquerque e Cristovão de Camargo, escolheu, por unanimidade de votos, premiar os trabalhos de Euclydes Fonseca, professor Henrique Cavalleiro e Humberto Nabuco dos Santos.

O Vovô Índio de Euclydes Fonseca

A imagem do Vovô Índio pouco circulou e muito menos no Natal, sendo mais lembrada durante o Carnaval. Foi ainda citada em alguns escritos durante as duas décadas seguintes.

Um polêmico texto publicado na Revista Cruzeiro de 3 de dezembro de 1955 analisava o insucesso da campanha:

“Os sabotadores de Papai Noel e inventores de Vovô Índio não contavam com a tradição da alma popular, que está na cantiga de rua e no coração do povo. Não esperavam que aquela lenda suave do Natal com Papai Noel e sapato velho com brinquedo novo — lenda embora frígida dos campos de neve, mas aquecida pelo calor de uma fé sem fronteiras — tivesse a eternidade das coisas escritas, como o Livro dos Macabeus ou as velhas canções que pedem chuvas. E o tal do Vovô Índio morreu menino. Nunca chegou a entrar, de arco e flecha, de tacape ou saiote de penas, no coração ingênuo das crianças brasileiras”.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Quando Vovô Índio tentou destronar Papai Noel

  • 27 de dezembro de 2021 em 08:41
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    História muito interessante em um texto muito bem humorado!

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