Deu Gato e cadeia no Jogo do Bicho em 1910

Edberto Ticianeli

No início do século XX, o Jogo do Bicho campeava solto por esse Brasil afora, mesmo depois de incontáveis campanhas para pôr fim à ilegal bolsa de apostas iniciada no dia 3 de julho de 1892 no Rio de Janeiro, quando premiou a Avestruz em seu primeiro sorteio.

Seu criador, o barão João Batista Viana Drummond, promoveu esse jogo com o intuito de salvar da bancarrota o Jardim Zoológico do Rio de Janeiro, em Vila Isabel, instituição fundado por ele. Entretanto, sua ideia e seus bichos fugiram do Zoológico e se transformaram em ilícito penal.

Nos primeiros anos, muita gente perdeu suas economias e bens para os domadores da bicharada, o que provocou uma verdadeira caçada a seus promotores. Em Alagoas, teve repercussão o caso de uma mulher que cometeu o suicídio após vender a casa e apostar tudo no sorteio. Perdeu seu imóvel e depois, em desespero, pôs fim à vida

Em meados de julho de 1910, em Maceió, dois pernambucanos resolveram apostar suas economias no famoso jogo, mas optaram por fazer isso com alguma vantagem sobre os “banqueiros“.

Affonso de Mendonça, natural de São Lourenço da Mata, associou-se nessa aventura a Álvaro Alvares de Almeida, um ex-telegrafista da Great Western, empresa que explorava o serviço ferroviário entre Maceió e Recife.

Anúncio do Jogo do Bicho na Gazeta de Notícias de 11 de junho de 1892, dias antes do primeiro sorteio

Para enganar os “empresários” do setor, elaboraram um plano inteligente, um verdadeiro “Golpe de Mestre” (filme de 1973), digno do diretor George Roy Hill, de Paul Newman e Robert Redford.

Montaram uma estação telegráfica no então povoado de Riacho Doce e estudaram os dias e horários em que eram transmitidos os resultados da Loteria Federal, também utilizados para o Jogo do Bicho.

Com tudo preparado, no dia 5 de agosto de 1910, uma sexta-feira, jogaram mais de um conto de réis, algo acima de R$ 100 mil nos dias atuais, na centena 654 e no grupo 14, do Gato.

No final da tarde, a improvisada Estação de Riacho Doce transmitiu para a Repartição Geral dos Telégrafos, em Maceió, informando os números sorteados. Entre eles, óbvio, estava o “inesperado” 654, miando fortemente.

Imediatamente, Affonso de Mendonça se apresentou para receber seu prêmio, uma fortuna para a época.

Os experientes “bicheiros” desconfiaram que tinha alguma coisa errada nessa sorte extremada e se negaram a pagar, enquanto averiguavam o que tinha acontecido.

Pouco minutos depois, o verdadeiro despacho com o resultado da Loteria Federal chegou a Maceió e pôde-se constatar que o Gato tinha dado lugar ao Cachorro.

Os expertos golpistas, temendo a mordida do cão e também dos “bicheiros”, fugiram de Maceió.

Mas, como tinham cometido crime contra o Telégrafo Nacional, foram perseguidos e com a ajuda do chefe da estação de Maceió, a Polícia prendeu no mesmo dia Affonso Mendonça, que ainda carregava com ele parte da sua operosa e breve Estação Telegráfica de Riacho Doce.

Não causou estranhamento, na Delegacia de Polícia, a falta da queixa das principais vítimas, os exploradores do jogo criado pelo Barão Drummond.

Tinham embolsado o equivalente atualmente a R$ 100 mil reais dos golpistas e não gostavam muito do ambiente policial, principalmente das delegacias.

*Fonte da Informação: Gutenberg de 7 de agosto de 1910 e outros jornais da época.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Deu Gato e cadeia no Jogo do Bicho em 1910

  • 12 de fevereiro de 2022 em 22:30
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    Excelentes iniciativas e contextos, Edberto.

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