O nome

Osvaldo Pife

O Jaci tinha dois filhos e uma neta, a mais improvável das criaturas. Era uma menina de dois anos a mais da puberdade e não se encolhia em qualquer frio ou tempestade. O avô vivia às gargalhadas com as peripécias da pirralha, não infantis, mas linguísticas.

A menina tinha um velocímetro na língua que marcava 200 quilômetros por hora. Era dela o talento da nomenclatura. Achava nome para tudo. Achava não, criava. A borboleta na parede desbotada da casa era um “morceguinho triste“. A saia marrom da tia um “bolo queimado“. O espirro do velho goguento compadre do avô o “som das cinco horas“.

O Jaci não sabia direito por que tais e tais, mas se divertia como um menino. Imaginava que a infantil quase adolescência da netinha de cabelo de boneca iria sumir a qualquer hora, quando o sol das paixões queimasse seu travesseiro.

O velho sempre foi franzino. Era um homenzinho fino e de olhos miúdos. Os braços nunca alcançavam os bolsos, por mais que se envergasse, num movimento repetitivo parecido com alguém que sempre tentava coçar os joelhos, sem sucesso. A neta sempre observava aqueles movimentos, mas não tinha coragem de revelar o nome que atribuíra, em sua mente, ao seu mais fiel espectador. Sentia vergonha até quando tentava escrever o apelido do velho na barra da manga da camisa da escola: um lugar inimaginável de investigação dos segredos pueris. Aqui e ali, tentava soltar a língua, mas se amarava sob seu medo. Não o medo das torrentes infindas dos infernos, mas o medo de não ter mais as gargalhadas rítmicas do seu velho baixinho e único aplauso.

Assim foi para o resto dos dias… do Jaci.

Na lápide dele, a giz, estava escrito: “Cai-queda“.

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