Coração na mão
Miguel Gustavo de Paiva Torres
RIP. Descansar em Paz era tudo o que Dom Pedro IV de Portugal e I do Brasil desejava. Nunca imaginou, sequer sonhou, em viajar de avião entre suas duas pátrias, ambas enterradas em seu coração real. Pois, Pois. O seu coração veio cair nas mãos de uma réplica republicana e tupiniquim do seu irmão, ambíguo e traidor. Absolutista e tradicionalista da extrema direita do seu tempo, Dom Miguel I jurou, em Viena e depois em Portugal, respeito à Carta Constitucional liberal de 1826 e se comportar estritamente dentro de suas quatro linhas.
Também jurou ao seu irmão mais velho garantir os direitos à sucessão de Dona Maria da Glória, filha de Pedro e sua sobrinha, com a qual noivou para assumir oficialmente a regência dos três Estados do Reino de Portugal. Coração de melão, o de Dom Miguel I. Coração de ferro o de Dom Pedro. Só parou de bater depois de espremer toda a água do coração de melão do seu irmão sorrateiro, mentiroso, falso e traidor, na sangrenta guerra civil do Porto, entre liberais e absolutistas.
O Coração de Ferro na verdade é de carne e sangue. Quase bicentenário, foi profanado e embarcado por via aérea para as mãos de uma versão pós-moderna de Dom Miguel I: Jair Messias Bolsonaro, o presidente militar absolutista e neotradicionalista da novíssima república sem corrupção, antigo Império do Brasil, sucessor do Reino de Portugal, Brasil e Algarves.
Pálido, o Messias do Brasil segurou nas mãos esta relíquia profanada. Sorte ou azar, matutou imaginando a sua assessoria de gente desastrada deixando aquela coisa inchada cair e rolar no chão do palácio. Pior ainda, no meio da rua, em plena motociata, como chegou a sugerir um dos seus próximos.
“Valha-me Deus, acima de todos”, exclamou. Continuou a cogitar: “Vossa santidade absoluta não vai deixar isso acontecer Isto está mais parecido com quizumba africana. Já me disseram que no continente negro os reis comem os corações dos seus antecessores para adquirir suas virtudes, força e sabedoria. Às vezes por pura mandinga, Bokassa, o imperador do extinto Império Centro Africano, lotava seu freezer com corações de inimigos poderosos”.
“Quem sabe um espetinho de coração, assado na brasa na Feira do Gama”, pensou, alucinado pelo pavor o homem com o coração na mão.