Maceió, bolas de vidro, Natal e Chinelão
Edberto Ticianeli
Alcancei em Maceió o tempo em que as vitrines das lojas motivavam passeios noturnos das famílias pelo centro da cidade. Nas primeiras horas da noite, era comum ver casais desfilando pelas calçadas da rua do Comércio, que ganhava o reforço em sua iluminação do brilho dos bem arrumados mostruários.
Essa prática não era nova. Em meados do século XIX, as lojas de departamento em Paris já levavam os franceses ao ato do flâneur, que no Brasil gerou o flanar. Para evitar galicismos, vamos no popular: perambular.
No período natalino, principalmente, esse exposição das mercadorias nas lojas ganhava status de obra de arte. E era mesmo pura arte, considerando que os vitrinistas ou decoradores eram renomados artistas plásticos.
Lá pelos meus 10, 11 anos, a vitrine natalina que mais me atraia, e aos amigos do Beco de São José, era a do Chinelão, a popular sapataria do Waldeci, na esquina da Rua do Macena com a Av. Moreira Lima. Até shows na marquise da loja aconteciam por lá. O proprietário animava a plateia jogando sapatos e sandálias para a multidão na rua.
No Natal, a loja exibia as vitrines internas ricamente decoradas pelo Popó (lembrou o Stanley) e no saguão da loja os motivos da época ficavam pendurados no teto, entre eles o artefato que nos aliciava: as bolas natalinas de vidro.
Eram alvos perfeitos para nossas petecas de dedo (estilingue em outras regiões), armas improvisadas com elásticos de roupa. Os projéteis eram milhos ou feijões. Não era difícil quebrar as delicadas esferas coloridas.
Planejávamos essas ações destrutivas com antecedência. Era preciso treinar a pontaria. Tínhamos que atingir as ornamentações sem levar as petecas à altura dos olhos para mirar. Não podíamos ser vistos pelo vigia da loja. Se fôssemos pegos, era bronca séria em casa.
Os grãos ficavam no bolso direito. A mão esquerda, com a peteca já presa nos dedos polegar e indicador, permanecia enfiada no bolso à espera do comando para agir. Quando a posição ideal era alcançada, discretamente levávamos a “arma” até a altura da cintura, onde era municiada pela mão direita, que também tinha a responsabilidade de esticar o elástico.
Com os olhos aparentemente voltados para a vitrine, escolhíamos com o canto do olho os maiores alvos e rapidamente disparávamos o míssil “caroço de feijão” em ação destruidora. Ploft! No alvo. Vidros no chão.
E logo aparecia o vigia olhando desconfiado para onde estávamos, tentando descobrir quem teria sido o autor do vandalismo. Já calejado com essas presepadas, sabia que era coisa da meninada e colava na gente.
Com a missão cumprida, saíamos do Chinelão e voltávamos alegres ao Quartel General das Tropas Elásticas, na porta da antiga loja da família Setton, esquina do Beco São José com a Rua da Alegria. Ali os feitos eram comemorados, cada um contando os detalhes das suas peripécias.
Comprovávamos o velho ditado: “Menino tem o diabo no couro”.
Sabe, amigo, tenho uma saudade imensa do meu tempo de criança e adolescência em Maceió, entre 1950 e 1963. Fico triste quando me lembro da Praia do Sobral com o mar limpo, das festas de Natal na Praça do Pirulito, dos “jogos de botão pelas calçadas” (Ataulfo) e tantas outras coisas que minha existência alcançou. A saudade alcança até quando, após o primeiro encontro com uma namorada, a turma de colegas e amigos perguntava: “Como é, pegou na mão?”. Hoje a pergunta é: “Como é que é, comeu?”.
Plagiando Ataulfo, nós éramos felizes e não sabíamos.
Com sua permissão, vou procurar o texto que fiz sobre as paqueras noturnas-dominicais na Praça Deodoro e reprisá-lo no seu grupo “História de Alagoas”.
Grande abraço!
Dessa mesma época, lembro que as calçadas cimentadas já predominavam no Comércio. Para jogar ximbra tínhamos ainda em terra a calçada da agência dos Correios (esquina da Rua da Alegria com o Beco de São José) e a outra, o Maracanã das Ximbras, a da esquina da Rua Augusta com a Rua Boa Vista (depois foi
a Monte Máquinas), em frente a padaria.