A lição de urbanismo

Pedro Cabral
*É arquiteto e artista plástico.

Quando li sobre os socialistas utópicos eu quis inventar a minha própria cidade. A minha cidade ideal.

Seria o inventor, o planejador, o controlador, o governante.

Urbanista tolo que era e que ainda sou.

E minha cidade teria curvas, caminhos de pedestres, praças, coisas já existentes…

E minha cidade teria pontes, chuvas, sol e brisa.

Um mar, nuvens desenhadas, lua sentimental.

E um povo alegre.

Coisas que já existem ou passíveis de existir.

E meu desenho era o meu desenho e todos seguiriam ou amariam. Coisas da minha cabeça.

E esqueci de pensar o povo.

Eu imaginei todas as criaturas a pensar iguais ao criador, ao planejador, ao patrão, ao governante.

Será que assim também Deus pensou?

Sentado em meu escritório, eu projetei a cidade e a imaginei ser a melhor.

Só não havia notado não serem o meu mundo e o meu pensamento os mesmos de tantas cabeças.

E quantas cidades há por aí, na cabeça de cada um!

Não serei eu, ao criar, empregarei pessoas, serei dono delas.

Não serei eu, criador, a dominar a criatura.

Pois limitarei assim a minha criação.

E assim, minha cidade se desvaneceu no olhar do meu sorriso.

No desenho de minhas intenções pretensamente dominantes.

Minha cidade era maior, bem maior, bem além do meu pensamento.

E descobri:

Cada um tem seus sonhos.

Perdidos ou alinhados.

E assim deve ser respeitado.

A beleza de uma vida, de uma cidade, é a liberdade da ideia destilada em comunhão, a gerar sínteses para o engrandecimento geral.

A cidade é essa vida.

Se Deus inventou o mundo, ele entendeu o livre-arbítrio.

Não impôs regras.

Gerou oportunidades.

Ainda resta um pouquinho de utopia em mim.

Minha cidade não teria dominantes.

Nem eu, inventor, determinaria o pensamento de ninguém.

Apenas pediria paz. Pediria.

Sei que alguém dirá: errado! Dominantes existem!

E eu me lembro, criança, o conselho de minha avó:

Ninguém é melhor do que ninguém.

A cidade que inventei não era o Éden…

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “A lição de urbanismo

  • 31 de outubro de 2022 em 12:26
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    Grande Pedro Cabral! Aprendi a admirá-lo através de meu Maninho (Eduardo Bastos), quando ainda seu aluno, já falava tão bem de você, não apenas nos traços, mas no compasso também metafísico por um mundo mais equânime!
    Linda crônica!
    Forte abraço
    Sandra Bastos

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