A mulher volúvel e o homem solúvel
Miguel Gustavo De Paiva Torres
Um amigo dos tempos antigos me disse certa vez que a política era como a mulher, volúvel, e que as ideologias e o poder, solúveis, liofilizados em suas raízes.
Lembro quando José Gentil, um querido amigo de juventude, sertanejo de Santana do Ipanema, me procurou para que assinasse uma lista — devia ser uma exigência legal — de fundação do Diretório de um novo partido político: o partido que iria levar o povo, essa palavra tão volúvel e solúvel quanto o vento, ao poder. O povo no poder. O Partido dos Trabalhadores.
Gostava muito do simpático e afável amigo Gentil. Conversávamos sobre tudo a toda hora. Nesse dia conversamos longamente. Ponderei ao amigo que eu jamais conseguiria aderir a um partido político por questões que nem mesmo eu entendia, apenas sentia. Odiava instruções, orientações e, principalmente, ser proibido de discordar. Odiava também hierarquias.
Por isso quando outro querido amigo, membro fundador do PC do B em Alagoas, tentou me atrair para o seu partido, ainda engatinhando no Brasil, expliquei que seria impossível. Anarquista, respondi. Esta é a única ideia que me atrai. Se hay gobierno soy contra, foi a primeira máxima que me veio à memória. O poder corrompe e muito poder corrompe ainda mais, foi a segunda.
Optei pelos alternativos. Não quero poder e nem dinheiro. Quero o amor, a paz, a música, a poesia, o mar e, principalmente, ver e viver o mundo com os meus próprios olhos. Falar o que penso e não o que os outros querem ouvir.
Greta Garbo foi bater no Irajá e eu fui bater no Itamaraty. Menino de 22 anos.
Uma mistura de Torre de Marfim e de mosteiros medievais. Aprendi rápido naqueles corredores de mármore e nos cerimoniosos contínuos vestidos em preto e branco, que se levantavam à cada passagem dos diplomatas, que havia entrado em um mundo de formalismo e de hierarquias absolutas. Um poder absolutista reinava na atmosfera, no silêncio, e nos cochichos de corredores.
Tive que recolher a minha alma e os meus pensamentos libertários por 43 anos. Não foi fácil. Mas havia algo que valia a pena naquele sofrimento pessoal. Estávamos trabalhando para o nosso país. Para o desenvolvimento, a médio e longo prazo, do nosso Estado e do nosso povo, aqui entendido como a reunião todos, sem exceção. Não se tratava de um projeto de poder partidário ou de uma quimera ideológica transitória. Valia a pena.
Mesmo em silêncio por longos períodos de tempo e, punido implacavelmente, quando ousava falar e discordar, valeu a pena. Esse foi o Itamaraty que conheci entre 1975 e 2018. Como será no futuro? Não sei.