O louco da lagoa
Miguel Gustavo de Paiva Torres
A Residência da Embaixada do Brasil em Lomé, república africana do Togo, ficava na área nobre da cidade, onde moram os poderosos e os muito ricos, inclusive o presidente da República e o primeiro-ministro. Todos guardados por força militar e cancela fechada.
Saindo deste perímetro, com cancela aberta para a principal avenida da cidade, damos de frente com a imensa universidade nacional e a alegria e algazarra próprias da juventude.
O que me intrigava, nos dois anos que lá vivi, era o Homem da Lagoa. As águas de pequena lagoa, em frente aos portões da universidade, cobriam uma casa, deixando de fora apenas o telhado e poucos centímetros das paredes submersas. Ali vivia tranquilamente um homem de meia idade, completamente nu, com barbas e cabelos longos, impassível.
Alguns deixavam frutas e peixe defumado na beira da lagoa e, quando queria, imagino que talvez à noite, o homem ia buscar o que comer. De vez em quando decidia dar um passeio, raramente, e caminhava nu na avenida por breve tempo. O homem parecia ser invisível. Ninguém dava qualquer atenção. Fazia parte do cenário, como qualquer estátua ou monumento.
Não tinha a aparência de um louco de hospício. Apenas um homem em estado natural vivendo nas águas de uma pequena lagoa. Certamente vivia em um mundo diferente do mundo real. O mundo em que desejou viver o seu tempo de vida.
Todos nós sabemos que a ficção pode se transformar em realidade por mais absurda que seja. Livros, jornais, revistas, rádio e televisão jogam diuturnamente, no mundo inteiro, notícias, fotos, opiniões, versões, contradições e propaganda nos cérebros de bilhões de seres humanos, cada qual com suas preferências e desejos inconscientes que fazem suas próprias leituras do que leem — quando sabem ler, ver ou escutar —, no que se convencionou chamar de grande mídia.
É verdade que cada jornal, rádio ou canal de televisão têm donos com interesses e tendências pessoais. Mas há algo que os pretensos donos das opiniões têm dificuldades em controlar: Fatos e Fotos. Um terremoto é um terremoto. Um morto é um morto. Um peixe é um peixe e um homem nu é um homem nu.
A grande sacada política recente foi utilizar ancestrais métodos de guerra para confundir o entendimento dos fatos por adversários ou inimigos em qualquer direção: política, comercial, industrial, diplomática, religiosa e tudo o mais: como os fatos e as fotos convencem, trabalhemos os fatos e as fotos.
Transformaremos mentiras em verdade repetindo e multiplicando em velocidade digital nossos fatos e nossas fotos. Assim, tomaremos o poder e permaneceremos nele. Quem perdeu a eleição, ganha a eleição e ponto final. O importante é construir um cercadinho mental que ajude a inverter os fatos reais e as fotografias, convencendo nossas irmãs e irmãos de que água é pedra, que azul é amarelo e deus é uma bola quadrada.
Conseguindo isto, podemos tirar férias em Orlando e visitar o pateta na Disneylândia.
Como sempre, Miguel, excelente texto, bem escrito e esclarecedor!