Posse rara
Sergio Braga Vilas Boas
Foto de Tânia Rego da Agência Brasil
A posse do Lula não foi nada apoteótica, nem pirotécnica. Foi simples, emocionante, carregada de desejos, esperanças, alegrias, e sobretudo rara, muito rara. Talvez a mais extraordinária na história recente da humanidade.
Começou com a mão estendida ao vice, tirando-o do carro que lhe havia sido reservado, como sempre ocorreu, e colocando-o, com sua esposa, perto dele e da primeira dama. A multidão ao longo do trajeto até o Congresso Nacional, composta por todos os rostos do povo brasileiro, que vieram de carro, a pé, de bicicleta, avião, ônibus, acenava e cantava, e recebia acenos de volta.
Alckmin e Dona Lu, acenavam a “meio pau”, notando-se em suas faces alegria e constrangimento. Não daqueles que sentimos quando somos empurrados para o que não queremos fazer, mas daqueles que nos faz dizer sem falar: puta que pariu, porque nunca quis experimentar isso antes!
Sobe a rampa um homem e sua esposa, acompanhados da cadela Resistência, símbolo daqueles que estiveram lutando ao seu lado durante todos 580 dias de prisão em Curitiba: bom dia presidente Lula! Boa tarde presidente Lula! Boa noite presidente Lula!
No Congresso, cerimônia simples, protocolar, que dele se esperava um discurso apaziguador, água com açúcar, tranquilizador para quem anda com as barbas de molho e passagens já reservadas mediante qualquer susto. Em parte, foi. Mas reafirmou o que disse em toda a campanha, e ainda, que diante dos descalabros cometidos a lei seria aplicada. Não haveria vingança, perseguição, mas aplicação da lei. Exaltou a democracia, e pediu que seja eterna.
Chefes de Estado e representações estrangeiras amontoavam-se nos salões e cadeiras reservadas. Nunca houve tantas representações estrangeiras e chefes de estado em outro evento semelhante por estas bandas. Alguns, muito comedidamente, chegaram quase a cantar: “Olê, olê, olá, Lulá, Lulá”!
Em função da fuga empreendida, pelo pior mandatário eleito da história do Brasil, para o exterior — dizem as más línguas para cuidar de vinte e três imóveis que comprou por lá —, o homem recebe a faixa presidencial de Francisco, uma criança de dez anos, morador de Itaquera, cidade de São Paulo; de Aline Sousa, 33 anos, catadora; de Raoni, aos 90 anos; de Wesley Rocha, 36 anos, metalúrgico; de Murilo Jesus, 28 anos, professor; de Jucimara Santos, cozinheira; de Ivan Baron, portador de paralisia cerebral, e de Flávio Pereira, 50 anos, artesão. Todo o extrato do povo e dos trabalhadores brasileiros estavam ali representados. Alguém já viu algo semelhante alguma vez, no mundo?
No parlatório (que nome!), sobe um homem, e seu vice, ambos dados como sepultados vivos em passado recente. Não se compara o que sofreu Lula com o que passou Alckmin. Mas este último teve todos os seus tapetes puxados, foi traído e humilhado diante de uma merreca de votos em 2018, para um homem que havia governado o mais importante estado do país por muitos anos. Ali estava sorridente como quem diz: “fingimos que fumos e vortemos, ói nóis aqui tra veíz”!
Ali no parlatório (que nome!), o homem cumprimenta a multidão com um emocionado “Boa tarde, povo brasileiro”, lembrando os 580 dias de Curitiba. Faz um discurso emocionado; fala de paz, esperança, união, crescimento; do combate à desigualdade, à fome e à miséria. O mais raro líder político do mundo ocidental, encerra ali a posse mais rara já vista por estas bandas.