A guerra das narrativas

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Ninguém, em lugar nenhum do mundo, consegue sobreviver de narrativas. Para começar, narrativa é sinônimo de farsa, mentira, enganação. Arma da política na guerra e na paz, para vencer e tomar o poder para um determinado grupo em determinado momento histórico.

Mas ninguém consegue enganar a todos o tempo todo, como dizia o norte-americano Tomás Jefferson. No corte temporal da história humana, as ideologias são apenas ideias, propostas para a organização política e social de grupos humanos, tribais, estatais ou, na época moderna, nacionais.

O controle de um território e de um povo por seletas confrarias se dá com o estabelecimento de regras capazes de criar “verdades” a partir da construção fictícia de narrativas que consigam aglutinar pessoas em torno de um interesse de poucos e objetivo de muitos. Oferecem a elas, de algum modo, as sobras do poder construído por suas narrativas.

Nós contra eles. Os judeus devem ser varridos da face da terra. Os indígenas e os negros, animais sem alma, precisam ser exterminados para dar lugar ao povo de Deus. Qualquer Deus, desde que seja o Deus da “nossa narrativa”.

O que não estiver escrito em “nosso livro” deve ser queimado em praça pública. Só assim conseguiremos tomar e manter o nosso poder do bem. Exterminando definitivamente o mal da face da terra; colocando negros para matarem negros, índios para guerrearem índios, machos e fêmeas para pisotear qualquer gênero inventado pelo diabo. É a palavra do seu Deus contra o seu desejo individual.

— Mas, e a liberdade, onde entra esta palavra mágica que serve até para prisão?

Se a narrativa é a da fome e da miséria do seu grupo, a única liberdade real é a do bem-estar social. Caso da narrativa das ditaduras da esquerda.

Se a narrativa é a da liberdade individual, de expressão e de comportamento, que se danem os famintos e os miseráveis. Caso das ditaduras da direita.

Que tal uma liberdade que tenha apenas um significado: bem-estar social e liberdade de pensamento e de comportamento.

Liberdade que possa construir e destruir qualquer narrativa; até porque a realidade e os fatos não são obras de ficção, sejam elas narrativas poéticas ou de prosa.

A liberdade não é uma estátua de pedra; um monumento ou uma referência simbólica. A liberdade é tratar com a realidade dos fatos: os que aconteceram e os que estão por acontecer.

Não há vaidades individuais ou projetos pessoais de mando e controle que consigam aprisionar, para sempre, a verdade dos fatos. Errados ou certos.

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