Caixinha de Cristal

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Uma embaixada, um voto é uma fantasia juvenil, para não dizer infantil. A perspectiva correta, na África, é uma embaixada, investimentos, financiamentos, cooperação técnica, educacional e tecnológica, relacionamentos privados estreitos na mais alta cúpula e, principalmente, doações.

É assim que trabalham as embaixadas dos Estados Unidos, França, Inglaterra, Alemanha, Itália, Espanha, Rússia; a Delegação da União Europeia e a China. Sobretudo a China que se tornou praticamente a dona do pedaço nas duas últimas décadas.

Construiu e doou diversos aeroportos modernos nas capitais africanas; ampliou participação e aquisições portuárias; construiu, a fundo perdido, palácios presidenciais, hospitais, estradas de alta qualidade com força de trabalho própria, supermercados e até bordéis para os seus operários em construções.

Ocupou espaços em tempo recorde, mesmo falando chinês. O programa educacional Confúcio concedeu bolsas de estudo atrativas para milhares de estudantes africanos.

Copiou o mesmo método adotado por norte-americanos, europeus e soviéticos no período da guerra fria entre capitalismo e comunismo: jogou toneladas de cimento, aço, ferro e dinheiro, aos borbotões, para felicidade dos africanos.

Em 2007, quando trabalhei na Agência Brasileira de Cooperação, a ABC, do Itamaraty, havíamos chegado ao maior orçamento da Agência em sua história, na casa das duas dezenas de milhões de dólares, para implementação de projetos na África, América Central, Caribe, Ásia.

Com foco prioritário, na época, nos países africanos de língua portuguesa, Timor Leste, Haiti e Cuba ofereciam projetos de cooperação em diversas áreas aos países africanos, centro-americanos e caribenhos.

Com seu insuficiente orçamento, mesmo trabalhando em parceria com outros ministérios, como Saúde, Agricultura, especialmente Embrapa, Educação; SESI, SENAI SEBRAE e SERPRO para formação profissional e pequenos negócios, tentava com muito trabalho e pouco dinheiro, fazer do Brasil um país líder no terceiro mundo, com a chamada política sul-sul.

Até países sem tradição de influência e cooperação econômica na África, como a Turquia, por exemplo, chegaram a investir montante na casa de 1 bilhão de dólares em suas ações de política externa.

Tema de pouca ou quase nenhuma relevância popular/eleitoral no Brasil, a política externa brasileira sempre esteve fechada em uma frágil “caixinha de cristal”: como fazer milhões de brasileiros pobres, muitos miseráveis, sem comida, saneamento, teto, educação, saúde, entenderem e compreenderem essa política de compartilhamento de recursos nacionais com outros países, fossem eles africanos ou latino-americanos.

Historicamente, o Ministério das Relações Exteriores, por sua irrelevância política-eleitoral interna, sempre foi aquele ao qual destinou-se o menor orçamento da Esplanada. O suficiente para custeio da folha de pagamentos na moeda brasileira e em dólares, no exterior, custeio de consumo e operacional da sede e dos postos diplomáticos.

Os postos centrais, ainda com o ranço dos luxos e privilégios do Império e da Velha República, muito bem aquinhoados, e os demais, periféricos, com as sobras do cofre.

A solução foi abrir os cofres do BNDES, para grandes empresas e empreiteiras brasileiras darem respaldo às pretensões de liderança política e diplomática do Brasil; emprestar o que se chama na diplomacia “massa crítica” real para suas vantagens étnicas e culturais universais.

Cantadas em prosa e verso para africanos, latino-americanos, asiáticos, árabes, turcos, ucranianos, alemães, italianos, lituanos, outros e todos os que derivaram desse caldeirão étnico-social-cultural, com o toque original dos indígenas, na nossa atual população, dividida, estruturalmente, entre muitos pobres e poucos ricos.

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