Sobre Cruz das Almas, Oceano, Djavan e Caneta Azul

Edberto Ticianeli

Sinceramente, ainda não entendi o que motivou um vereador de Maceió a tentar substituir a denominação de um bairro da capital pelo título de uma das músicas do nosso Djavan. Acho Oceano um belo nome para a música, mas não vejo Cruz das Almas, como bairro, algo a ser negado ou apagado do mapa.

Numa publicação no História de Alagoas, reproduzi a informação que dá uma pista sobre a origem da nossa Cruz das Almas. A Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro, edição de 1929, ao descrever os bairros de Maceió se refere ao povoado de Cruz das Almas ainda como um local distante.

“Onde fenecem os terrenos de Mangabeiras começam os de Cruz das Almas, em cuja entrada existem, à guisa de pórtico, dois coqueiros que, declinando para o solo em direções opostas, se cruzaram”, indica a revista.

    Leia aqui sobre Cruz das Almas

A pesquisa também encontrou, sem maiores sustentações históricas, que a denominação teve origem na existência, ali, de um cemitério indígena.

Cruz das Almas era tido como um local de passeio dos maceioenses, que para lá se dirigiam nos feriados ou finais de semana em busca de banhos de rio e de colher cajus.

“Sob os outros aspectos não diverge o mesquinho vilarejo dos circunjacentes. É enorme a sua displicência, pois a respectiva população, muito inclinada ao ócio, vive quase sempre entregue à mais enervante das apatias”, concluiu o jornalista da Revista da Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro.

Independentemente de sua origem, a nossa Cruz das Almas não está sozinha nesse imenso país. Uma rápida pesquisa na internet vai descobrir que na Bahia existe o município de Cruz das Almas, que foi criado em 1897, quando desmembrou-se de São Félix.

O colega baiana surgiu, diz a lenda, por existir no centro da antiga vila de Nossa Senhora do Bonsucesso, uma cruz em frente à Igreja Matriz, onde os antigos tropeiros paravam para rezar pelas almas dos seus mortos.

Em Recife, por muito tempo existiu no bairro do Poço das Panelas a encruzilhada da Cruz das Almas dos Padres (atual Rua Padre Roma) e a da Cruz das Almas das Moças. Caruaru tem a sua no bairro Kennedy.

Minas Gerais tem três: uma fica em Barbacena e é uma rua. Outra rua fica em Diamantina. Em Belo Horizonte, no bairro Mariquinhas, também tem Rua Cruz das Almas.

Jabaquara, Itu e Catanduva, em São Paulo, e Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, ficam honrados com ruas assim denominadas.

Não escondo que sou defensor das denominações de estados, cidades, bairros e ruas com expressões que tenham história, com alguma razão de ser. Não descarto as homenagens às personalidades, mas, sem hesitação alguma, um nome que surgiu por alguma característica do lugar tem muito mais significado.

Se você caminhar pela Rua do Sol às 2h da tarde, no verão, não terá dúvida alguma da justeza daquele nome. É tão forte que derrotou todas as tentativas de mudança: Rua do Rosário, da Imperatriz, 15 de Novembro e João Pessoa.

Percebam que todos estes nomes tinham algum sentido, mas, mesmo assim, não triunfaram: Rosário por causa da Igreja, Imperatriz por ser esta via continuação da Rua do Imperador, 15 de Novembro a data da República e João Pessoa, o vice-presidente de Getúlio Vargas que foi assassinado em 26 de julho de 1930.

No caso do bairro de Cruz das Almas, chama a atenção o fato de que a tentativa de homenagear o músico se dá indiretamente, utilizando o nome de uma das suas músicas, Oceano.

Se isso for aprovado, corremos sérios riscos. E se um outro parlamentar resolver homenagear o famoso Manoel Gomes, mudando o nome da Ponta Verde para Caneta Azul?

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Sobre Cruz das Almas, Oceano, Djavan e Caneta Azul

  • 3 de abril de 2023 em 19:04
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    Humorada a crônica do Ticianeli, além da sensibilidade tem informação a fornecer. Desgraçados e desgraçadas de nós se retornamos o nosso olhar para o trivial e o supérfluo, deixando de fora a dimensão de uma triangulação que passa pela História, pela Memória e pelo Patrimônio Cultural.
    Vida longa, a Ticianeli e ao jornalismo inteligente.

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