Polícia agride manifestantes no centro de Maceió em 1962

Edberto Ticianeli

A crise política, que levou ao golpe militar de 1964, teve início com a renúncia do presidente Jânio Quadros em 25 de agosto de 1961. Os militares e a extrema direita brasileira, que já vinham tramando há anos a tomada do poder pela força, não aceitavam que o getulista João Goulart — vice-presidente de Jânio —, assumisse o governo. Era alvo de uma campanha que o caracterizava como comunista.

Para satisfazer aos militares, os senadores e deputados encontraram uma forma de tirar poderes de Jango, instituindo o parlamentarismo. Em 1963, um plesbicito decidiu o retorno ao presidencialismo.

Jango continuou a ser fustigado pela extrema direita e os discursos anticomunistas passaram a estimular o surgimento de organizações paramilitares com o intuito de combatê-lo.

Uma delas e a mais ativas foi a Ordem Suprema dos Mantos Negros (OSMN) ou “Maçonaria da Noite”.

O jornalista José Nogueira no jornal Diário da Noite denunciou esse grupo revelando que era uma organização internacional inspirada na Ku Klux Klan. Recebia recursos do coronel anticomunista romeno Edward Ressel. Em suas carteirinhas estava grafada sua associação com os supremacistas brancos dos EUA: “templários da Ku Klux Klan”. O seu líder era chamado de “Papa Negro” por se vestir, como seus seguidores, com mantos e capuzes pontiagudos e pretos semelhantes aos do grupo americano.

Foi essa organização, com a participação Movimento Anticomunista (MAC), que no dia 6 de janeiro de 1962 deflagrou vários ataques terroristas às instituições apontadas como vinculadas politicamente a João Goulart.

O de maior repercussão ocorreu no Rio de Janeiro, onde metralharam a sede na União Nacional dos Estudantes (UNE), na Praia do Flamengo, nº 132, utilizando armas de uso exclusivo dos militares. Ali, no 3º andar, também funcionava o Centro Popular de Cultura, com um grande teatro, que recebia reuniões e assembleias. A UNE era uma das entidades mais ativas em apoio as reformas de Jango.

Sede da UNE na Praia do Flamengo

O atentado, sem vítimas, foi investigado pelo ministro da Justiça, Alfredo Nasser. O governador Carlos Lacerda, um dos golpistas de 1964, não teve interesse algum na identificação dos autores.

Outro ação terrorista aconteceu em Porto Alegre, nesse mesmo 6 de janeiro, por iniciativa da Ordem Secreta dos Primadistas, uma das filiais da OSMN no Brasil. Liderados por Waldomiro Ramos Pacheco, invadiram os estúdios da Rádio Farroupilha, interromperam o programa PRH-2 e passaram a ler uma nota que convocava a sublevação popular em armas para depor João Goulart.

Os Primadistas se guiavam pela seguinte lógica: funcionavam como um pêndulo, que em movimento atinge a esquerda e a direita, “mas quando em repouso está na vertical perfeita, dominando as profundidades para levar as experiências aos lados, de forma serena e concreta”.

Waldomiro Ramos Pacheco era um jornalista e professor de filosofia que havia sido condenado a 16 anos de prisão, nos anos 30, por ter envenenado uma adolescente, sua esposa. Não cumpriu nem metade da pena e saiu da cadeia para criar a Organização da Juventude (ORJU) e o Instituto de Direitos da Criança (IDECÊ), inspiradas no escotismo.

Prisões em Maceió

Em Alagoas, as entidades estudantis e sindicais se somaram às várias manifestações de protesto, que ocorreram em todo o país contra o terrorismo, e organizaram um ato político para o dia 10 de janeiro, uma quarta-feira, em frente ao Café Ponto Central.

Após caminharem pelas principais ruas do Centro de Maceió, mal tinham iniciado os discursos, quando a polícia interveio argumentando que não tinha autorizado a manifestação e passou a dissolvê-la. Cumpriam ordens do governador Luiz Cavalcante. A ação repressiva foi coordenada pelos delegados Fernandes Costa e Manoel Jarbas, comandados pelo secretário do Interior, coronel João Mendes de Mendonça.

Coronel João Mendes de Mendonça, secretário do Interior em 1964

O primeiro ato foi a apreensão do carro de som de Célio Camerino. Em seguida jogaram o carro da Polícia contra a população, atropelando diversos populares. Depois prenderam os estudantes secundaristas Anivaldo Miranda e Walfrido Pedrosa, o . Célio Camerino, que tentava retomar seu carro de som, também foi levado para a delegacia.

O radialista e jornalista Nilson Miranda foi agredido, derrubado e arrastado para o “tintureiro”, como se denominava o camburão na época. Laudo Braga, que protestou diante da violência usada contra o seu colega, também foi espancado e preso. Eram redatores do jornal do PCB, A Voz do Povo, e Nilson presidia o Sindicato dos Radialistas.

No mesmo dia, os estudantes publicaram nota denunciando a violência e tentativa de intimidação: “Esse repúdio se faz necessário vez que foi impedida, de maneira bárbara e violenta a realização de dois atos públicos de protesto contra o metralhamento da UNE, mormente no último movimento [o ato público], quando, além de ser impelido contra o povo, o tintureiro da DOPSIC, foram agredidos e presos estudantes secundaristas e populares presentes”.

Assinaram a nota: presidente da UEEA, Agatângelo Vasconcelos; presidente da UESA, Josenildo Ferreira; presidente do D. A. de Filosofia, Oswaldo Rocha Ramos; presidente do D. A. da Escola de Engenharia, Ogelson Gama; presidente do D. A. da Economia, Mário Humberto Lima e presidente do D. A. de Direito, Pacoal Savastano Jr.

Quem também divulgou nota de protesto foi o Sindicato dos Jornalistas. Prestou solidariedade a Nilson Miranda “pelos abusos de que foi vítima, devido aos excessos da ação policial”.

Outro manifesto foi assinado pelos jornalistas Álvaro Mendonça, Djalma Falcão, Teófilo Lins, Hebel Ferreira e pelo presidente do Sindicato dos Gráficos, Paulo Santana. Tornaram público que os atos policiais constituíram “um atentado flagrante de desrespeito aos sagrados postulados democráticos, consignados na Constituição da República”.

Apresentaram solidariedade aos jornalistas Nilson Miranda e Laudo Braga, “vítimas da sanha policialesca”. Concluíram reafirmando o repúdio aos que atentavam contra a liberdade e a democracia e externando a crença numa pátria forte e livre da opressão.

Todos os detidos foram liberados pouco tempo depois. Entretanto, as ações repressivas do governador Luiz Cavalcante continuaram até 1964. Pavimentava-se o caminho para o Golpe Militar.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Um comentário em “Polícia agride manifestantes no centro de Maceió em 1962

  • 21 de maio de 2023 em 13:27
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    Excelente, tinha curiosidade demais

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