A invasão sem guerra
Edberto Ticianeli – jornalista
Uma nação começa a se desagregar quando os seus indivíduos passam a valorizar mais as diferenças, aquilo que os separam, relegando o que os aproxima.
Isso não ocorre por obra do destino ou por desígnio de alguma divindade.
Como é da natureza humana conservar e reproduzir seus fundamentos culturais, para quebrar a “unidade espiritual” de uma nação, com sua imensa força inercial, é preciso atacar os valores que mais a caracteriza.
Isso é feito de forma inteligente e persistente pelos pretensos donos do mundo do capital.
Estes senhores partem do princípio que essa é a forma mais econômica e duradoura de “invasão” de um país.
A primeira grande conquista é a “ocupação cultural”. As artes não podem continuar a ter relação com a vida e com a história desse povo. Devem romper qualquer vínculo com a realidade.
Para cumprir essa etapa da “guerra” são utilizados os meios de comunicação de massa. Há, nas primeiras “batalhas”, a preocupação em atingir os mais jovens.
Até o idioma é atacado. É preciso internacionalizar a capacidade de comunicação, argumentam. Coincidentemente o idioma proposto e imposto é o das “forças de ocupação”.
Aos poucos, a “invasão” amplia sua área de ocupação e busca alterar a percepção dos valores que fundamentam a a verdade, que passa a ser o que é repetido à exaustão pela mídia.
Assim, a racionalidade é atingida. Não se acredita mais na própria capacidade de discernimento. O que é divulgado pela mídia e repetido por todos como verdadeiro, passa a ser a verdade.
Deixa-se de analisar o que acontece na política e na economia como nação. O centro da atividade social é o indivíduo. Abandona-se o nós pelo eu.
Não existe mais o “compatriota”. A péssima condição de vida dele deixa de ser parte da miséria em que a nação está mergulhada para ser uma simples e individualizada falta de “mérito”.
Quando qualquer iniciativa de reação for ridicularizada, a guerra está prestes a ser ganha.
Buscar referências no passado passa a ser um empreendimento de alto risco. Citar músicas e cantores, por exemplo, que cantavam a nossa realidade sem preocupações maiores com a audiência, pode ser motivo para “linchamento” social.
Mencionar os primeiros experimentos sociais resultantes de revoluções nacionais é motivo para se pedir fuzilamento em praça pública.
Mas a vitória se completa quando a nação é fatiada em grupos e entre eles for instalada a discórdia. Cada um cuida do seu quadrado, é a palavra de ordem dominante.
Não existem mais as antagonizações genéricas como, por exemplo, trabalhadores e patrões ou servidores públicos e governos. Estudantes unidos nacionalmente para lutar por melhores condições no ensino, nem pensar.
Em última análise, quando isso ocorre, não há mais nação. Nada une “nacionalmente” o povo. No máximo, sobra a torcida pela seleção de futebol.
A invasão então estará completa. É hora do butim. Se apoderam das riquezas naturais e de tudo que tem valor para a economia.
Mas a nação nunca é derrotada totalmente. Sempre haverá as forças de “resistência”, formada pelos que não perdem a racionalidade e se permitem encontrar as suas verdades, continuando a considerar que os outros fazem parte do seu eu social.
Como mais cedo ou mais tarde a verdade triunfa, os resistentes sabem que serão os vencedores.