MAR Y CIELO – “corridinho” das quebradas mexicanas

Miguel Gustavo de Paiva Torres

O México pode até acabar com terremotos, degolados e enforcados em Tijuana. Discretamente como atuam os grandes profissionais da natureza, da política e do crime organizado. Sem ruídos na imprensa, digo mídias, e nas ruas.

Afinal somos todos humanos.

Menos os Mariachis. E no Nordeste do Brasil os antigos repentistas sertanejos herdeiros do Suassuna, pai de terreiro, pai de todos nós criados na seiva dos cactos. Herdeiros dos provençais do sul da velha e decadente Europa dos Neandertais.

Não tinha jeito. Por mais reservado que você fosse como advogado, jornalista ou diplomata, os Mariachis pulavam em sua frente e cantavam, cantavam, cantavam, até receber suas gorjetas. Profissionais, sabiam quando eram festa ou apenas fundo musical.

Mas quando começavam a tocar e cantar em uníssono Mar y Cielo, o palco era só deles. Baixava o espírito do silêncio. Mesmo em praça pública. As ondas continuavam a quebrar, como profetizou o velhinho menino Caetano, da Nossa Senhora da Purificação.

Mar y Cielo merecia sempre uma nova rodada de tequila envelhecida ou um mescal com larva viva de Oaxaca, lugar mágico do espírito dos povos originários do México Ancestral.

Estava resolvendo uma parada séria com um dos mais temidos e respeitados advogado do México. No México os almoços duram de 3 a 6 horas. Já estávamos na undécima hora quando os nossos Mariachis mandaram ver com Mar y Cielo. É de chorar.

Para viver no Brasil temos que ter as manhas dos trapaceiros. No México, dos trapaceiros, mas, sobretudo do afeto e da violência mais violenta possível.

O problema era sério. Estava intimado a comparecer a uma delegacia para “esclarecimentos”.

Cheguei em casa um dia e a minha então esposa, Rose estava em prantos: um senhor espanhol, com sangue de toureiro de Pamplona havia ido ao meu apartamento, gritado e ameaçado por pagamentos atrasados do condomínio do prédio.

O prédio era uma invasão de alto luxo com apenas três andares, salas de massagem, piscina aquecida e tudo mais, ao lado, imaginem da chancelaria da Embaixada do Brasil, onde trabalhava.

O dono da invasão no Bosque de Chapultepec, lugar mais chique da Cidade do México, era um senhor calmo, discreto, riquíssimo, por ser um dos principais plantadores e comerciante de café do México.

Sua casa era um museu de obras de artes. E a elegância do jantar que nos ofereceu, não estava no Gibi.

Quando assinamos e registramos o contrato de aluguel do segundo andar com elevador abrindo na sala de nossa casa, ficou registrado e notariado que o condomínio seria pago por ele, proprietário do prédio e amigo de todos os poderosos da cidade.

Fui ao apartamento do espanhol e disse em alto e bom som ao toureiro que, na próxima vez que fosse à minha casa gritar e ameaçar a minha mulher seria recebido a Balazos.

Pronto. Fui denunciado por ameaça de morte.

Daí já estávamos caindo em rios de emoção e afeto quando os Mariachis começaram a cantar Mar y Cielo.

O meu nobre advogado mestiço e experiente recomendou: vamos juntos cumprir o mandado de intimação, mas lembre-se: — você nunca falou em Balazos, falou em Plumazos. Ele é que não entendeu o seu sotaque de brasileiro. Plumazos pode ser tapas.

E lá fomos nós. Uma lindíssima e suave delegada amiga do meu advogado ficou revoltada com a ousadia e soberba do antigo colonizador e me recomendou cautela com esse possível “serial killer” que era meu vizinho de andar.

Nunca mais esse vizinho apareceu, e quando me via ao longe, fazia questão de desaparecer nas brumas do Bosque de Chaputelpec.

Um comentário em “MAR Y CIELO – “corridinho” das quebradas mexicanas

  • 22 de agosto de 2024 em 06:43
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    Muito boa a crônica, bem escrita e divertida pelas memórias que marcam toda nossa vida. Parabéns!

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