Salgema e o paraíso perdido: a morte na água, na terra e no mar

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Todos os países tem suas dinastias, fincadas nas raízes do dinheiro e do poder, no capitalismo moderno, ou no poder e no dinheiro no socialismo do século XX. No século XXI tentam erigir as dinastias do crime organizado transnacional.

Mas vamos ao que importa, às grandes dinastias norte-americanas e europeias, grande parte com origens judaicas, britânicas e francesas, poucas alemãs.

Quando cursei o último ano do então chamado curso colegial nos Estados Unidos, mais precisamente em Swarthmore College, na Pennsylvannia,  em plena “Main Line” das grandes dinastias da costa leste norte-americana, fui levado em um passeio muito comum para os jovens descendentes dinásticos: a casa de Henry S. Dupont, perto de Wilmington, Delaware, onde nasceu o presidente Joe Biden, católico da pequena classe média que fez carreira como porta voz do poderoso segmento sindical dos trabalhadores norte-americanos.

Não há como esquecer a casa e os jardins do magnata Henry Dupont; principalmente o jardim de inverno com sua fabulosa e imensa águia americana, desafiadora, erigida em bronze e ouro. Fascinante. Impressionante.

De volta ao Brasil, nos anos 70, cursando Direito no campus à beira mar-lagoa da UFAL, no Pontal da Barra, vi as primeiras máquinas derrubando coqueiros e transformando o paraíso das águas e dunas que me cercavam no mais importante empreendimento industrial jamais implementado no Brasil, justamente em Alagoas. Corriam os anos de 1972 e 1973 e aceleradamente a mundialmente famosa indústria química norte-americana, Du Pont Nemours, escavava na terra e na lagoa os depósitos de salgema que abasteceriam o Polo Cloroquímico de Alagoas, entre o azul do céu e o azul esverdeado do mar mais lindo do mundo; como fazíamos questão de ressaltar em Maceió.

O dono da casa em Delaware, Henry, já estava morto desde o início do século. Titã do capital e grande benfeitor público jamais imaginou o que seus descendentes seriam capazes de fazer na arte de ganhar dinheiro, matar e destruir populações inteiras nos Estados Unidos e mundo afora.

Pobre Maceió. Paupérrima Alagoas. Ouviu o canto das sirenes, mas não viu o tubarão em suas costas arreganhando seus dentes brancos para a mordida fatal.

Nove gerações depois da morte de Henry Dupont, o seu conglomerado de empresas fez uma fusão com a igualmente dinástica família da aristocracia empresarial americana; a família Dow, fundamentalmente com o segmento químico que viria a revolucionar a modernidade ocidental, aproveitando a descoberta de químicos do Projeto Manhattan, responsável pela fabricação da bomba nuclear, da sequencias de átomos de carbono e flúor capazes de criar novos objetos jamais imaginados, como o teflon e outros produtos de altíssima resistência na indústria do plástico e do PVC. O problema era que, como na indústria nuclear, os resíduos do famoso C8, depositados na terra, no mar, nos rios e eventualmente vazados no ar, eram mortais a médio e longo prazo, exatamente como na radiação nuclear.

Nos anos 50, a família Du Pont comprou toda a extensão da lindíssima Praia de Varadero, em Cuba. Atualmente ocupada pela residência de hóspedes da presidência de Cuba e também usada por famílias e outras altas autoridades. Lá se instalaram mais de uma dezena de resorts de altíssimo luxo de italianos e canadenses, além de grandes redes internacionais. Uma das principais atrações da magnífica praia de areias brancas de Varadero é a antiga casa tropical da família Du Pont, que exerce fascínio igual à casa de Hemingway, onde escreveu O Velho e o Mar.

Os descendentes do benfeitor e visionário Henry Dupont e a nobreza industrial da família Dow acharam melhor esconder esse dano colateral sanitário ao meio ambiente e à humanidade por meio do suborno pesado a políticos nos altos escalões da governança mundial, cientistas, acadêmicos, jornalistas ou qualquer pessoa que viesse a descobrir a verdade. Em jogo, centenas e centenas de bilhões de dólares mundo afora.

Um advogado solitário, estarrecido com a mortandade e destruição ambiental do seu Estado de nascença e crescimento, West Virginia, após diversos surtos de paranoia, estresse traumático e lutando contra tudo e todos, processou e conseguiu condenar e revelar o que não se podia revelar, para vergonha da poderosa águia americana. O filme A Palavra da Verdade, novidade na Netflix, descreve com maestria cinematográfica essa luta que começou nos anos 70 do século passado e só foi encerrada em 2013, com a condenação escandalosa e pública da DU PONT. O horror!!!  Simplesmente o horror em suas mais perversas dimensões ambientais e humanas.

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