Amazônia no balão de oxigênio: última chamada

Miguel Gustavo de Paiva Torres, embaixador

Em 12 de outubro de 1995 eu e minha família estávamos hospedados na belíssima casa fazenda colonial do meu ex-chefe em Lisboa, José Aparecido de Oliveira, na região serrana do Rio de Janeiro, para passar o fim de semana, atendendo ao seu gentil convite.

No final da tarde estávamos na sala, depois da sesta do almoço, tomando café com quitutes de dona Leonor, sua esposa e grande dama mineira, quando ouvimos gritos na televisão à nossa frente com a degradante cena de um pastor, não lembro a denominação, chutando e quebrando aos berros uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, padroeira do Brasil.

Ontem, dia 12 de outubro de 2024, o Papa Francisco, já em idade avançada e muito lúcido, enviou uma mensagem ao Brasil no dia da nossa padroeira, segundo ele símbolo da harmonia, pedindo paz e harmonia no Brasil e no mundo, concluindo com um pedido inusitado: “harmonia climática também”.

No santuário de Aparecida do Norte, o Bispo pedia a proteção de Nossa Senhora Aparecida para a Amazônia, seu berço de nascimento nas águas dos seus rios.

A maior reserva de água doce do mundo, na superfície e nos caudais subterrâneos. Diziam todos os cientistas presentes à Conferência Mundial do Meio Ambiente e Água da Amazônia, presidida por Fernando Henrique Cardoso.

Organizada pelo Itamaraty, no início do século 21, com o apoio do seu Escritório Regional na Amazônia, então sob minha chefia, sediado na sede da antiga SUFRAMA, transformada em Polo Industrial de Manaus, a Conferência subia o tom do entusiasmo e do orgulho nacional e prenunciava um futuro de ouro na Amazônia.

Finalmente estávamos chegando ao mítico ELDORADO.

Mera ilusão; o balão de oxigênio já estava furado e ficando sem ar e água para beber. Bom, saneamento nunca houve: apenas corrupção e falta de saneamento na capital da pedofilia e das drogas, para minha surpresa.

A Manaus dos ricos e poderosos já não era a modesta e simples capital que conheci nos tempos da Zona Franca, onde comprávamos pasta de dente americana CREST e bugigangas eletrônicas japonesas. Uma cidade agora moderna, enriquecendo e iluminada no frenesi da noite bêbada e dançante das pistas da capital do Norte.

Com o passar dos meses fui percebendo que estava em uma capital que reunia criminosos de toda sorte, principalmente do narcotráfico, da pesca ilegal, do desmatamento e da grilagem de terras e aniquilação dos povos originários. A língua predominante neste meio era o portunhol. Brasil, Colômbia, Venezuela e todos os nossos vizinhos amazônicos bebiam, dançavam, cheiravam e vendiam pó na fulgurante Sinaloa amazônica, Manaus.

O interior e as águas da Amazônia já não eram mais a casa onde nasceu a padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida.

Pertencia agora ao demônio das seitas e religiões apocalípticas que se espalharam como moscas no mel. Indo e vindo em suas pregações fluviais e terrestres para todas as ovelhas ribeirinhas. Sangue, morte, narcotráfico e crime organizado transnacional. Como curar esse doente terminal? Certamente não será com o cheque de 50 milhões de dólares que a embaixada norte-americana enviou para ajudar o Governo Lula a transformar a Amazônia brasileira em lugar de desenvolvimento sustentável e com dignidade humana.

São necessários bilhões de dólares. Mas os ricos não acreditam nos políticos pobres e corruptos da Amazônia e do Brasil, país que De Gaulle chegou a considerar uma piada e um inferno amazônico na famosa guerra das lagostas nos tempos de Jânio Quadros.

Você me dirá: basta acabar com o fundo partidário e com o fundo eleitoral que equipamos o Exército, a Polícia Federal, a saúde e a inteligência para nós mesmos cuidarmos do nosso quintal e bradar nossa soberania a plenos pulmões. É uma piada. Não acontecerá.

Bom, o Lula é bom de lábia e certamente conseguirá dinheiro dos gringos na casa dos bilhões para resolver esta tragédia climática que afeta a todos. Não conseguirá.

Poderá até conseguir caso dobre os radicais nacionalistas à esquerda e à direita e aceite a formação de um Comitê Cientifico Internacional dos doadores presidido por cientista brasileiro para administração de projetos com o dinheiro contabilizado e administrado localmente por quem deu e recebeu o dinheiro. Para gestão da Amazônia brasileira exclusivamente. Os queridos vizinhos que nos odeiam façam sua parte.

Se não for assim, melhor retirar o paciente em estado terminal e cuidados paliativos e enterrar na nossa gloriosa floresta sagrada, porque não dá para cremar e jogar nas águas da bacia, porque os rios já secaram e voltarão a secar.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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