A Copa de 62 entre chiados e calibragens

Edberto Ticianeli – jornalista

O Itororó não tinha energia elétrica. A fazendinha em Pão de Açúcar, sertão ribeirinho do Velho Chico em Alagoas, era praticamente dentro da cidade, mas ainda não tinha esse benefício.

E mesmo que o município tivesse, Vó Bela não deixaria instalar essas modernidades em suas terras, onde se orgulhava de somente comer o que plantava e criava.

Mesmo sem energia elétrica, a família, e demais convidados, resolveu passar as festas juninas às margens do São Francisco. De quebra, todos acompanhariam os jogos da Copa do Mundo de 1962.

Como? Sem energia elétrica?

Pelo velho “Rabo Quente” a válvula. Era um antigo rádio alimentado por um monte de pilhas grandes.

No primeiro jogo contra o México, no dia 30 de maio de 1962, em Viña del Mar no Chile, ainda estávamos em Maceió e o Brasil venceu por 2 a 0.

Somente no segundo, contra a Checoslováquia no dia 2 de junho, é que desembarcamos em Pão de Açúcar.

Ainda pela manhã, a cozinha a lenha do Itororó fervia de gente nos preparos de comidas para todos. A expectativa era enorme, principalmente após a primeira vitória da canarinha.

No alpendre, meu pai, o dono do rádio, improvisava uma antena com arames para captar o sinal da transmissão de uma emissora carioca.

Na hora do jogo formou-se um aglomerado em torno do transmissor. Ouvia-se mais chiado do que a voz do locutor, que surgia lentamente entre o ruído, permanecia alguns segundos audíveis e em seguida, lentamente ia sumindo, dando vez e voz ao chiado.

Após alguns minutos, ninguém sabia o que Pelé e Garrincha andavam aprontando.

A confusão aumentou quando o locutor deixou de citar o nome do Pelé sem mais explicações. Soubemos depois que durante um chiado ele foi atingido por checo e saiu do jogo contundido.

Para resolver o problema, meu pai, Gilberto Soares Pinto, lançou mão de uma velha chave de fenda, abriu a tampa traseira do rádio e disse que faria uma pequena regulagem para melhorar o desempenho das válvulas.

E então começou uma sessão em que a voz do locutor e o chiado passaram a dividir espaço e tempo com apitos e outros ruídos inclassificáveis.

O pior é que quanto mais a chave de fenda rodava para lá e para cá, menos se ouvia o locutor e pouco se sabia o que estava acontecendo.

Distinguia-se somente, de vez quando, nomes como Djalma Santos, Nílton Santos, Didi, Zagallo, Vavá, Pepe e Zito.

Aos poucos, os ouvintes foram se afastando e somente Seu Gilberto ficou com o rádio. Aliás, ficou até a noite, quando oficialmente decretou a morte tecnológica do aparelho.

Passamos o resto das festas na fazenda sem notícias sobre o desempenho do nosso escrete.

Soubemos depois que no dia 17 de junho a seleção brasileira de futebol havia derrotado a Tchecoslováquia na final com gols de Amarildo, Zito e Vavá, e que éramos bicampeões mundiais.

Assim nasceu um torcedor orgulhoso do seu selecionado nacional… e um ouvinte que odeia chiado até hoje.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *