Biquíni, a revolucionária criação de Louis Read

Edberto Ticianeli – jornalista

O biquíni foi apresentado ao mundo em 5 de julho de 1946 na Piscine Molitor em Paris, uma piscina pública.

Seu criador foi o estilista francês Louis Read, que utilizou como modelo Micheline Bernardini, uma dançarina exótica do Cassino de Paris.

Foi buscar o nome da pequena vestimenta para banhos públicos nas manchetes de jornais, que noticiavam naquela semana um teste atômico realizado pelos EUA no Atol de Biquíni, no Oceano Pacífico.

A ousadia do estilista representava o sentimento de liberdade do pós guerra. Foi esse ambiente que permitiu a Jean-Paul Sartre estruturar o seu pensamento existencialista.

Era um mundo novo, onde ser livre era uma obrigação de todos e isso somente era possível porque o homem é quem constrói sua existência, sem determinismo religioso ou natural.

O biquíni e o existencialismo de Sartre, como era de se esperar, não foram bem aceitos.

A principal rejeição às alterações nos formatos e tamanhos das chamadas roupas de banhos partiu do Papa Pio XII, que chegou mesmo a ordenar a sua proibição.

Nos EUA, que viam Biquíni somente como um local para explodir bombas atômicas, houve proibição ao uso do traje criado por Read. Foi banido das praias nos anos 60 e as poucas mulheres que desafiaram o impedimento foram detidas.

Na primeira edição do Miss Mundo, em 1951, algumas candidatas adotaram o traje e houve reclamação por parte dos países mais conservadores. Foi aceito somente o maiô, e mesmo assim com muitas limitações sobre o momento de utilizá-lo.

No Brasil, onde o “biquíni de bolinha amarelinha” da “Ana Maria” era cantado e dançado em vários salões e praias, houve também quem não aceitasse o seu uso.

Jânio em 1962. Foto de Erno Schneider, ganhadora do Prêmio Esso de Jornalismo daquele ano

O principal porta-voz desta corrente foi o então presidente da República Jânio Quadros, que fez sua campanha em 1960 prometendo moralizar os costumes no Brasil. Ganhou o apoio da classe média conservadora e as eleições.

No início do seu governo, em 1961, Jânio assinou vários decretos moralizadores.

Eis algumas das determinações: jóqueis-clubes somente aos sábados, domingos e feriados; fim das rinhas de galo; menores de 18 anos fora dos programas de rádio e televisão; proibição do lança-perfume e do uso de traje de banho nos concursos de beleza, atendendo a apelos de entidades religiosas.

Pior ficou para os funcionários públicos, que receberam, mesmo que facultativamente, a orientação de adotar como uniforme o “pijânio”.

Essa vestimenta, semelhante aos pijamas era composta por um blusão bege com quatro bolsos e cinto, substituiria o terno, inadequado para o clima tropical.

No carnaval do ano seguinte, a Polícia do Rio de Janeiro proibiu o uso de maiôs e biquínis nos desfiles e bailes.

Em Portugal a proibição dos biquínis aconteceu de 1961 a 1970, quando as questões morais foram superadas pelas econômicas: a Comissão Governamental pela Decência Pública liberou o traje para “incrementar o turismo”.

Consolidado o seu uso, o biquíni deixou de ser polêmico. Pelo menos na maioria dos países ocidentais. Lembrando que em 1996, na Índia, os maiôs foram proibidos na prova final do Miss Mundo. No ano seguinte, as candidatas foram avaliadas após desfilarem de maiôs a portas fechadas.

Voltou a ser mencionado a partir de 1964, quando surgiu o “biquininho” ou “monoquíni”, denominações brasileiras para o topless.

Contrariando as expectativas, deixar os seios à mostra não surgiu em Copacabana, mas sim em São Paulo, nas piscinas públicas.

Não demorou a ser proibido pelo então prefeito Prestes Maia.

Uma indignada nudista, sua eleitora, levou a polêmica para os jornais, provocando acalorado debate por algum tempo.

A proibição foi consolidada quando a irmã da usuária do “monoquíni” insistiu na manutenção da medida, utilizando o seguinte argumento: “Minha irmã anda muito nervosa. Ela fez 51 anos outro dia”.

Mesmo sendo adotado em algumas praias nos anos 60, o topless só chegou ao Rio de Janeiro nos anos 70.

As poucas tentativas de deixar os seios à mostra terminaram em tumultos, o que gerou a sua proibição até os dias de hoje.

Com essas reações, o topless entrou em modo de espera.

Mas, a vitoriosa caminhada das mulheres para terem a liberdade de vestir a ousada criação de Louis Read serviu para revelar os mecanismos de funcionamento do pensamento conservador no mundo e, particularmente, no Brasil.

O conservadorismo permanece vivo e ativo e de vez em quando se manifesta publicamente em defesa dos bons costumes.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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