O samba do Bolsonaro-Doido

Edberto Ticianeli – jornalista

Somente os mais antigos lembram do Samba do Crioulo-Doido, uma sátira composta por Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, em 1966, para o musical Pussy Pussy Cats.

Interpretada pelos Originais do Samba, com destaque para a performance do Mussum, a música, entre outros disparates, dizia que Chica da Silva teria obrigado a Princesa Leopoldina a se casar com Tiradentes.

A partir de então, as coisas sem sentido, mirabolantes, sem nexo, passaram a ser Samba do Crioulo-Doido.

Foi com essa lembrança na cabeça que acompanhei pela TV as manifestações dos apoiadores do Bolsonaro neste domingo (19) de quarentena, para quem respeita a vida.

Cavaquinho dá o tom

O primeiro sinal de que as manifestações eram algo nonsense foi a escolha dos locais para as concentrações: as portas dos quarteis.

Se durante a semana a presença de militares nestas unidades está reduzida ao mínimo necessário para a manutenção do seu funcionamento, imagine num domingo de quarentena.

É provável que lá estivessem somente o Corpo de Guarda com o seu comandante e o Oficial de Dia, que tiveram um domingo animado, com a trilha sonora de discursos gritados e o Hino Nacional executado de dez em dez minutos.

O próprio presidente da República esteve em um destes atos em Brasília, onde mais tossiu que falou.

Alguém pode argumentar: mas o local, mesmo esvaziado, tinha o simbolismo de representar as forças armadas, que estavam sendo chamadas a intervir.

Entram os surdos

Como a maioria dos apoiadores do Bolsonaro entende patriotismo como o ato de cantar hino e vestir as cores da bandeira, e como normalmente não conhecem a Constituição, apresentamos-lhe o seu Artigo 142:

“As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.

— Mas essa, a de 1988, é uma Constituição comunista! — vai protestar alguém.

Então apresento a de 1967, outorgada durante o Regime Militar:

“Art 92 – As forças armadas, constituídas pela Marinha de Guerra, Exército e Aeronáutica Militar, são instituições nacionais, permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República e dentro dos limites da lei”.

Se sobrar alguma dúvida, pode-se encontrar a mesma atribuição nas anteriores.

A cuíca começa a roncar

Se o presidente Bolsonaro é a autoridade suprema — comandante da Marinha de Guerra, do Exército e da Aeronáutica Militar — e ele quer uma intervenção militar e um novo AI-5, por que já não comandou o golpe com os poderes que tem?

Em 1968, o presidente general Costa e Silva reuniu seus ministros e outros membros do governo e deliberaram adotar as medidas de restrições democráticas ao país, sem precisar fazer discursos em frente a quarteis.

Os tamborins respondem

Se a intenção das manifestações deste domingo era a de trazer as forças armadas para a cena política, respaldando um golpe com o presidente à frente, o tiro saiu pela culatra.

Bolsonaro não tem apoio político e nem militar para qualquer aventura.

Além dos poucos manifestantes, o ato também não recebeu a adesão de qualquer autoridade militar.

Ao contrário: foi criticado até por aliados e apoiadores.

Resumindo o enredo, o samba atravessou na avenida e o desfile exibiu as fragilidades da Escola.

Pode levá-la à desclassificação.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *