Tempos de boi-de-fogo
Edberto Ticianeli – jornalista
Somente os mais antigos lembram do boi-de-fogo, um isqueiro rústico montado num chifre de boi, onde se guardavam uma pedra, o fuzil (um pedaço de facão) e a isca (chumaço de algodão).
Também era conhecido como artifício, papa-fogo, cornimboque, corrimboque ou binga.
Como utilizava uma faísca para incendiar o algodão, o boi-de-fogo também passou a denominar o sujeito que atiçava os desentendimentos entre dois indivíduos para que evoluíssem em briga.
Quando dois meninos começavam a discutir por alguma razão, sempre aparecia um terceiro que marcava no chão dois traços e atribuía a cada um deles a responsabilidade de representar as mães dos contendores.
— Essa é a mãe do Jair e essa é a mãe do Sergio — definia o boi-de-fogo, estimulando a briga.
Bastava um deles passar o pé ou cuspir sobre a “mãe” do outro que o pau cantava.
Tinha também o famoso “cabelinho-de-fogo”, este mais utilizado para estimular brigas entre crianças.
O boi-de-fogo simulava retirar mecha de cabelo de um dos envolvidos e colocá-la sobre a cabeça do outro.
— Êita, ele roubou seu cabelo. Você não vai pegar de volta?
Pronto. A briga estava feita.
Lembrei esta semana do boi-de-fogo após uma discussão num grupo de Zap entre eleitores do Bolsonaro.
Sim, eles se desentenderam mesmo.
De um lado os que continuam apoiando o presidente mesmo depois dos últimos episódios que provocaram o afastamento de dois ministros.
No outro lado estão agora os chamados “moristas”. São bolsonaristas arrependidos que estavam esperando um motivo para pular do barco sem ter que fazer autocrítica.
Vi os primeiros choques entre eles e me veio à cabeça lembranças do meu tempo de criança, do boi-de-fogo.
Confesso que fiquei tentado a escrever no grupo:
— Esse emoticon é a mãe do Bolsonaro e esse outro é a do Moro…
Demorei muito pensando nisso e quando fui ver alguém tinha “cuspido” na avó da mulher do Bolsonaro e o “rasga-calçola” já tinha começado.
Nem esperaram pelo boi-de-fogo.