Memória curta ou incoerência argumentativa?
Edberto Ticianeli – jornalista
A militância política cobra de quem a pratica muito mais que empunhar bandeiras e cantar hinos ou refrões.
Estabelecer ações reivindicativas ou expor adoração desmedida a algum líder não enquadra ninguém como ativista político.
É preciso aprender a pensar politicamente; a perceber a inter-relações entre aspectos aparentemente desconexos e a estabelecer objetivos estratégicos e táticos.
Mas, sobretudo, é preciso buscar sempre a coerência entre seus argumentos.
Há os que não têm essa capacidade e existem até os que as dominam, mas preferem praticar o esquecimento seletivo, uma variante bastarda da incoerência argumentativa.
O recente episódio do afastamento do ministro da Justiça Sérgio Moro serviu para perceber como isso acontece amplamente.
Os militantes políticos e adoradores do presidente Bolsonaro rapidamente construíram uma narrativa para justificar como perfeitamente normal o interesse deste em interferir no Ministério da Justiça e nomear quem ele quisesse.
Afinal, o presidente e pode nomear quem quiser.
Mas não foram esses os argumentos destes bravos defensores da Constituição e da Lei quando a presidente Dilma tentou indicar o ex-presidente Lula para a Casa Civil.
Lembram dos argumentos utilizados?
Argumentava-se na Globo, então ainda não “comunista”, basicamente o seguinte:
“A Lei da Ação Popular, Lei 4.717 de 1965, afirma que é nulo o ato administrativo praticado com desvio de finalidade. O artigo 2º, parágrafo único, alínea e, assim aduz:
e) o desvio de finalidade se verifica quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto, explícita ou implicitamente, na regra de competência”.
E assim, o ministro Gilmar Mendes, ainda mito dos bolsonaristas, impediu a posse de Lula no cargo de ministro da Casa Civil.
Muita gente fez festa, dizendo que a Dilma tentava, na verdade, proteger e impedir a prisão do ex-presidente.
Se houvesse coerência argumentativa, a mesma Lei serviria agora para evitar que o presidente Bolsonaro indicasse alguém para direção da Polícia Federal sob o argumento que praticava “o ato visando a fim diverso daquele previsto”.
Ou seja: pretendia, na verdade, impedir que prosperassem os inquéritos envolvendo a família Bolsonaro e seus amigos milicianos emprestadores de dinheiro.