Gilberto Gonçalves e o jardineiro cruel

Edberto Ticianeli – jornalista

Ato de solidariedade aos trabalhadores em greve no ABC paulista em 1978. Joinha em destaque à frente da manifestação

José Soares, o Joinha, é um mestre na arte de contar histórias. Para ser sincero, prefiro ouvir a versão do Joinha sobre um fato do que saber como verdadeiramente ele se deu.

Em Alagoas, Joinha é uma lenda viva. Participou ativamente do movimento estudantil e das lutas democráticas no final dos anos 70 e início dos 80.

Natural de Viçosa, terra de Teotônio Vilela, sempre teve um olhar aguçado sobre os fatos políticos, além de ser responsável por tiradas antológicas.

Uma delas, talvez a mais conhecida, se deu quando um amigo pediu a sua avaliação sobre uma determinada situação política e antecipou suas análises exagerando no uso da conjunção “se“:

— Mas se o Suruagy não topar esse acordo? E se José Costa for o candidato ao governo?

Cansado de tanto “se“, Joinha interrompeu a conversa e largou:

— Meu amigo, “se” não se discute em política. Se no lugar das pernas eu tivesse duas rodas, eu era uma bicicleta!

Culpa do jardineiro

Em uma manhã ensolarada encontrei Joinha na Praça D. Pedro II, Centro de Maceió. Estava chegando ao seu escritório de advocacia na Ladeira Manoel Ramalho de Azevedo, mais conhecida como Ladeira da Biblioteca.

Paramos para conversar um pouco e logo estava ele contando a sua versão sobre um ocorrido dias antes, 17 de maio de 2012. A polícia havia prendido oito vereadores de Rio Largo, acusados de corrupção.

A notícia ganhou manchete nos jornais e ocupou bom tempo nas rádios e televisões. Não era nova. Mas a versão do Joinha não podia ser deixada de lado.

Ele iniciou a narrativa dizendo que enquanto a polícia encostava um ônibus na Câmara Municipal para conduzir os vereadores detidos para Maceió, o ex-deputado Gilberto Gonçalves (atual prefeito do município) festejava em casa.

Alguns destes presos haviam comemorado em 2007 a prisão do então deputado Gilberto Gonçalves por suposto envolvimento no desvio de mais de 300 milhões da Assembleia Legislativa.

Em sua residência, Gilberto ia recebendo os detalhes da prisão por um amigo que estava na porta da Câmara e lhe telefonava o tempo todo.

Com as prisões concluídas, o ônibus lotado de vereadores presos partiu para Maceió.

— Gilberto, eles estão saindo agora e vão passar na porta da sua casa dentro de instantes —, avisou pelo celular o informante.

O ex-deputado resolveu assistir o desfile de carros da polícia e do ônibus da calçada da casa. Era como se estivesse rindo dos vereadores em vingança.

O jardineiro, que dava os últimos retoques na grama e plantas do jardim, também saiu para a calçada e ficou ao lado do patrão conversando com ele.

O ônibus, com as janelas fechadas, se aproximou e parou exatamente em frente à casa de Gilberto Gonçalves. Um problema de trânsito impediu por alguns instantes que a caravana prosseguisse a viagem.

Gilberto olhava de cabeça erguida para o veículo. Não via nada, mas era visto pelos passageiros.

De repente, uma das mulheres detidas abriu a janela e gritou para ele:

— Não fique aí com essa cara de honesto botando banca. Eu lhe conheço. Você já esteve preso também!

E passou a detratá-lo agressivamente, usando palavrões e gestos obscenos.

Para surpresa de todos, Gilberto Gonçalves ficou calado e tranquilamente ouviu os insultos.

Quando o ônibus partiu, se voltou para o jardineiro e perguntou em voz alta para que os vizinhos escutassem:

— Rapaz, o que você fez no jardim dessa mulher para ela lhe tratar assim — disse isso e entrou angelicalmente em casa.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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