O Tempo e a política

Por Sérgio Braga Vilas Boas

O tempo é alguma coisa que por vezes nos assombra. Quanto tempo eu tenho? Em quanto tempo isso ocorrerá? Será que vai dar tempo? Danou-se, e o tempo que não passa? Hoje dá meia-noite, mas não dá meio dia!

Na política então, por Deus, é terrível! É uma espécie de “Decifra-se ou te devoro”, que era, segundo o mito grego, o misterioso ultimato dado pela Esfinge de Tebas. Ao viajante cabia decifrá-lo ou seria devorado: “qual animal tinha quatro patas pela manhã, duas pela tarde e à noite tinha três patas”. A resposta era “O Homem”, que mudava conforme as fazes da vida. Engatinhava quando criança; andava sobre duas pernas quando adulto e usava um cajado (ou bengala) quando velho.

A lenda atribui ao velho político mineiro José Magalhães Pinto, que foi governador de Minas Gerais, deputado federal, senador, e ministro das Relações Exteriores do governo Costa e Silva, durante o regime de exceção, algumas frases interessantes, que entendo são sobre o tempo político: “Vamos mudar as coisas para deixar tudo igual, antes que venham e mudem”; “Política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Olha de novo e ela já mudou”.

E, o mais interessante de tudo, é que as indignações verbalizadas contra tudo “isso que aí está”, uma espécie de “fora todos”, são sempre levadas a cabo por grupos ou pessoas comprometidas até à raiz dos cabelos com a tradição brasileira (quiçá universal), dando razão de sobra a Magalhães Pinto.

Vejamos o governo atual: não cede; não negocia; não dialoga. Contra tudo isso daí! Caiu amorosamente nos braços do dito Centrão, que é uma espécie de entidade espiritual que serve como “álter ego” de todo governo que precise de votos no parlamento, e todos um dia precisam. E quando isso acontece, os “ímpios” passam a não ser tão ímpios assim. Na verdade, são boas figuras. Eu diria quase santos.

E, há uma ululante (obrigado Nelson Rodrigues) obviedade: no parlamento só se pode fazer aliança com quem está lá, logo, alguém que foi eleito.

Os que estão lá foram eleitos. E, não vem ao caso se isso me agrada ou não. Eles estão lá. E também não adianta regurgitar: foram eleitos. Precisamos parar de nos comportar como observadores distantes de um processo do qual fazemos parte inapelavelmente, por ação ou omissão. Você não gosta disso? Eu também não! Mas existe e nos governa.

Digo tudo isso por que o tempo nos assombra mais uma vez. Estamos diante de um governo que sabemos dele claramente três coisas que são perceptíveis mesmo por aqueles que o apoiam cegamente, que aliás só o poiam por isso mesmo:

O governo do Brasil é uma ilha de virtude, uma congregação de virgens, cercada de comunistas por todos os lados. Todos são comunistas – lembrando que comunista é tudo aquilo ou aquele que não é espelho do Mito. Logo, até o coronavírus é indubitavelmente comunista;

A ciência, o conhecimento, as artes e a cultura, não servem para absolutamente nada. Se servem para alguma coisa, certamente é para dar guarida aos comunistas, aos pervertidos, aos súcubos;

A esse retorno ao passado remoto, também acompanha o pensamento econômico, que se caracteriza pela não existência de pensamento econômico organizado, e sim um punhado de bordões que são ideologia pura, e que já se encontram sob abandono até de quem os criou. Enfim, não combate a pandemia que nos abate, e por isso prejudica a economia.

Por fim, parece ser um coquetel do pior pensamento de João Calvino, Bernardo Gui, Mises e Hayek, com uma pitada da psicopatia de Olavo de Carvalho. Afora o comportamento pessoal do presidente, que não encontra paralelo na história do Brasil, e talvez raríssimos no mundo.

E por que não cai? Por que um, só um, dos mais de 30 pedidos de impeachment não é aberto? Por que chovem “Notas de Repúdio”, e só?

Na verdade, creio que todos estão tomando tempo.

O presidente, vai jogando suas peças na tentativa de se manter, esticando a corda até onde for possível. Aposta no seu exército e celerados que vomitam ameaças a cada investida, não se sabendo ao certo até onde há blefe e verdade. Tudo, até agora, se provou blefe.

Mas será reconhecimento de terreno, ou blefe mesmo?

Os militares, divididos entre “os do Planalto” e os “não do Planalto”- segundo algumas interpretações, nem defecam nem largam a moita. Esses talvez sejam os que não esperam. Oportunizam.

O restante da reforma ultraliberal do Guedes parece tender ao cesto arquivo, mas há muitos que apostam que ainda será possível enfiar a faca um pouco mais, a depender da pandemia, que também torcem para que termine logo seja lá com quantos mortos for.

E por isso esperam a roer as unhas, enquanto pressionam.

E por isso também lhes causam comichão o distanciamento social, quarentena, etc.

Isso faz com que a coisa se arraste e estique o desgaste. Afinal, o mal deve ser feito de uma só cacetada. “Não sendo eu, que morram logo!”

Para um tanto, tanto faz como tanto fez.

Se sai o titular, entra um reserva que o substitui à altura. E talvez possa, inclusive, continuar com mais destreza o massacre aos trabalhadores pretendido pelo Guedes.

Tempo ao tempo.

Para os defensores das liberdades democráticas e das bases da constituição de 1988, sobram as Notas de Repúdio, o chamamento ao equilíbrio, e o apreço pela paz e pela democracia. Cada um no seu assento.

Para a oposição programática, progressista, sobram também as famosas e inexoráveis Notas de Repúdio, exigência de renúncia, os chamamentos à unidade, o aplauso aos “panelaços” promovidos pela classe média e os gritos de “fora Bolsonaro” da janela do apartamento, até mesmo porque da rua não dá, tem pandemia correndo solta.

Sim, cada um no seu assento.

E o tempo passa! A pandemia e junto a ela a depressão econômica vão tragando os que encontram pela frente.

O tempo pode ser amigo, mas também pode não ser.

A certeza da inanição pela via econômica, pode incentivar as pessoas a preferir a dúvida, optando pelo caminho já defendido pelo titular do Planalto.

Talvez estejam todos, cada um com suas razões, que devem ser antagônicas, à espera do desfecho pandêmico.

Uns, talvez por não querer receber no colo Federal, o COVID-19, e chamar para si um desgaste que já teria nome e CPF etiquetados na capa.

E outros que já estão preparando o “improviso” sobre as razões do desastre econômico que se anuncia: o estancamento da economia. Uma espécie de: eu avisei, tentei interferir, mas me impediram!

Em política, muitas vezes a tese do “cavalo que passa selado” não funciona. Pois há dúvidas sobre o cavalo e sobre a cela, e, principalmente, se era tempo desse cavalo passar.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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