Fraude: Voto Digital X Voto Impresso

Edberto Ticianeli – jornalista

Durante um evento nos EUA em março deste ano, o presidente Jair Messias Bolsonaro revelou que houve fraude nas eleições brasileiras de 2018 e que isso o impediu de ser eleito ainda no primeiro turno.

Denunciou, mas não apresentou provas até hoje. Também não desistiu da suspeita.

Agora, diante da polêmica criada nas eleições dos EUA pelo presidente Donald Trump, Bolsonaro imita o colega trapalhão e quer de volta para 2022 a votação com cédulas nas urnas.

Esquece que nos EUA predomina a eleição em cédulas. Ora, se por lá as cédulas estão sob suspeita, por que voltar a utilizá-las aqui?

Deve-se considerar também que até agora não houve qualquer comprovação da vulnerabilidade do sistema digital de recepção de votos adotado no Brasil.

Lembro das eleições de 2006 em Alagoas, quando o industrial João Lyra perdeu para Téo Vilela e colocou imediatamente sob suspeita a urna eletrônica.

Contratou uma equipe de peritos e advogados e depois de meses de denúncia, não conseguiu apontar fraude alguma. João Lyra perdeu mesmo foi por não saber administrar, na reta final da campanha, a vantagem que tinha sobre o adversário.

Fraude mesmo houve nas eleições de 1990, com cédulas, quando o governo de Alagoas foi alvo da disputa entre Renan Calheiros e Geraldo Bulhões.

GB surpreendeu a todos os institutos de pesquisas e conseguiu a maioria dos votos no 1º turno.

Renan denunciou e o TRE concordou que houve fraude e anulou os votos de 117 urnas da 1ª Zona, em Maceió, e as eleições nos municípios de Girau do Ponciano, Belo Monte, Batalha, Jacaré dos Homens e Campo Alegre.

Como o assunto fraude eleitoral está em pauta e como tive alguma experiência em coordenações de campanha, sendo uma das minhas tarefas a de preparar os fiscais para impedir fraudes, vou me atrever a relacionar as possibilidades de alteração da vontade popular em cada um dos sistemas.

Voto Impresso

Esse sistema deixou de ser utilizado a partir de 2006. Nos primeiros anos após a adoção da urna eletrônica, as cédulas somente eram utilizadas quando havia pane nas máquinas ou a interrupção do fornecimento de energia elétrica por muito tempo.

Eis a sequência das possíveis fraudes nesse tipo de coleta de votos:

Fraudes na votação

1ª Fraude – Urna Prenha

O esquema envolve a Mesa Receptora de Votos, que após receber no dia anterior a urna e as cédulas em branco, identifica na lista dos eleitores os “mortos e desaparecidos”.

Os mesários assinam por eles e colocavam “seus” votos na urna.

No dia seguinte, o processo de votação começava com alguns votos já garantidos para o candidato com amigos na mesa receptora.

2ª Fraude – Voto Fantasma

É praticamente o mesmo caso anterior.

Altera somente o processo “espiritual” que permite aos mortos o direito de votar.

São contratados alguns doublés de defunto, que se apresentam para votar no lugar do falecido ou de um eleitor faltoso. Nesses casos, também com a complacência dos mesários ou de parte deles.

Pode-se incluir nesse mesmo tipo de fraude, aquele em que o candidato compra o voto, mas não confiando no eleitor, toma o seu título e envia alguém da sua confiança votar no lugar dele.

3ª Fraude – Voto Multiplicado

Em acerto com o mesário, na hora de votar o eleitor contratado recebe várias células já marcadas e as leva até a urna. Como ele somente assina uma vez na lista de presença, as outras assinaturas eram realizadas pelo próprio mesário, que assim age enquanto simula estar conferindo os nomes.

Testemunhei, em apurações, “pacotes” com vários votos juntos e dobrados. Todos com a mesma cor da caneta e igual grafia das marcas (X).

4ª Fraude – Troca da Urna

Encerrada a votação, o presidente da mesa receptora de votos leva a urna para o local de apuração daquela zona. Normalmente faz isso em seu próprio carro. Nada impede que no trajeto a urna seja trocada por outra já votada e mantida no carro desde o dia anterior.

Esse tipo de fraude somente é possível acontecer quando os fiscais são “convencidos” a participar da trama. O lacre tem a assinatura deles.

Fraude na Apuração

1ª Fraude – Transferência de votos na separação

Ao separar os votos dos diversos candidatos, o escrutinador comete o “erro” de aumentar o monte do seu apadrinhado com os votos de outros candidatos.

2ª Fraude – Transferência de votos na anotação

Quando há um fiscal muito atento, o escrutinador separa os votos corretamente, mas ao anotar o quantitativo amplia a votação do seu protegido e diminui a do concorrente.

3ª Fraude – Transferência de votos na “cantada”

Nesse caso, o apurador separa e anota corretamente os votos dos candidatos, mas quando falava para o secretário da mesa os quantitativos, faz a ampliação como no caso anterior, “cantando” valores diferentes.

4ª Fraude – Secretário da Mesa é Surdo

Independente do escrutinador passar os resultados corretos ou não, o secretário da Mesa de Apuração anota valores diferentes. Ele ouve que o candidato “A” recebeu 145 votos, mas anota 115 (30 votos a menos). Quando recebe a votação do candidato “B”, por exemplo de 110 votos, anota 140 (30 votos a mais).

5ª Fraude – Secretário da Junta é Cego

Terminada a apuração da urna, o secretário da Mesa preenche o mapa que será encaminhado ao secretário da Junta de Apuração, ainda no local da contagem de votos.

Não “enxergando” direito as anotações do colega, troca alguns números, mas sempre tomando o cuidado de manter o total igual ao registrado no local de votação.

6ª Fraude – Fraude Superior

Esta é a última das fraudes possíveis. No TRE, o encarregado da totalização dos mapas enviados pelos secretários das Juntas Apuradoras pode repetir a mesma “desatenção” dos colegas e grafar números alterados no mapa final.

Voto Digital

Adotado plenamente a partir de 2006, a recepção de votos em Urna Eletrônica alterou radicalmente a possibilidade de fraude nas eleições brasileiras.

Antes da urna eletrônica, o Brasil conheceu a urna mecânica inventada pelo brasileiro Sócrates Ricardo Puntel, ainda na década de 1960.

O primeiro modelo da Urna Eletrônica foi utilizado em 1996 em 50 municípios.

Na verdade, essa urna é um microcomputador especializado para aquela tarefa.

A única comunicação externa com ele se dá a partir do terminal do mesário, que utiliza apenas dois recursos: registra o número do título do votante para impedir que vote novamente e libera o equipamento para receber o voto.

O projeto técnico da urna eletrônica brasileira envolveu um grupo de especialistas em Informática, Eletrônica e Comunicações da Justiça Eleitoral, das Forças Armadas, do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério das Comunicações.

No início era conhecida como Coletor Eletrônico de Votos (CEV).

Possíveis fraudes com o Voto Digital

Cercada por vários mecanismos de segurança, a Urna Eletrônica impede a adulteração do voto e garante o sigilo de cada eleitor.

Não há nenhuma ligação da urna com a Internet ou com qualquer dispositivo de rede.

Quando concluída a votação, o arquivo gravado de forma criptografada em uma mídia digital é levado até um terminal, que transmite o arquivo para o TRE ou TSE, onde é descriptografado dentro do sistema, sem contato com qualquer operador.

Recentemente também foi adotada a identificação biométrica do eleitor, eliminando a possibilidade de um eleitor votar por outro: era única fraude possível.

Até o momento não foi registrada nenhuma “invasão” a esse sistema.

Diante desses dados, não há, absolutamente, nenhum argumento racional que justifique abandonarmos um sistema em que o único e cada vez mais reduzido risco de fraude é o de um leitor votar por outro, para voltarmos ao antigo que permite dez possibilidades de fraude.

Outra enorme vantagem é que no sistema digital, poucas horas depois já se sabe o resultado das eleições em quase todos os municípios do país.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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