Walt Whitman, Marx e a revolução de 1848

Há mais que um paralelismo histórico entre o poema “Resurgemus”, o primeiro publicado por Walt Whitman, que reproduzimos a seguir na tradução de Rodrigo Garcia Lopes, e o “Manifesto Comunista” de Marx e Engels.

Walt Whitman

Marx tinha, então, 30 anos e aquele que, segundo Ezra Pound, “é para a América o que Dante é para a Itália”, 29 anos. Ambas as peças, o poema e o manifesto, têm inspiração direta nas revoluções europeias de 1848, que têm como epicentro a França.

Walt Whitman está, então, em New Orleans, cidade sulista povoada de refugiados europeus e que pulsa forte com as notícias do além-mar. “Todo o mundo está em comoção”, escreve Whitman: “em toda parte o povo se levantou contra as tiranias que o oprimem.”

O poeta americano, sintonizado com o crescente movimento abolicionista, chega a editar um jornal (“Freeman”, do Brooklin em New York) e participa como delegado na histórica convenção nacional do “Solo Livre”, quando 30 mil delegados de todo o país celebraram o movimento que lutava pela aprovação de uma lei de abolição da escravidão em todo o território novo anexado.

Marx, em 1848, exilado na Bélgica, tem a sua entrada agora permitida na França revolucionária e, em abril, desloca-se para Colônia, na Alemanha, onde em junho, com Engels, prepara a criação de um jornal diário, a “Nova Gazeta Renana”, “órgão da democracia”.

Paul Zweig, autor do belíssimo “Walt Whitman. A formação do poeta” (Jorge Zahar Editor, 1988), mostra como “o estilhaçamento do sonho democrático trouxe mudanças ao pensamento de Whitman, que foram definitivas e que, em última instância, fizeram dele um poeta.”

Marx termina o ano de 1848, com o luto das revoluções frustradas, afirmando que “na Alemanha uma revolução puramente burguesa (…) é impossível” e que “só é possível a contrarrevolução absolutista feudal ou a revolução social-republicana”.

Para Marx, os anos 50 seriam anos penosos de construção da sua obra magna “O Capital”. Para Whitman, seriam os anos mais fecundos da sua vida, resultando na criação de “Folhas da relva”, a mais alta utopia cósmica e erótica democrática da poesia moderna.

Resurgemus

De repente de seu covil urinado e sonolento, covil de escravos
A Europa desperta feito um relâmpago… meio surpresa consigo,
Pés sobre cinzas e farrapos… Suas mãos esganando a garganta dos reis.

Ah, fé e esperança! Ah, doloridos fechos de vidas!” Tantos doentes de coração!
Concentrem-se neste hoje, e se refaçam.

E vocês, pagos para corromper o Povo… prestem atenção, mentirosos:
Não foi por agonias infinitas, assassinatos, luxúrias,
Para a corte roubar em suas miríades de formas mesquinhas,
Parasitando os salários de fome dos pobres;
Promessas demais foram juradas pelos lábios dos reis, E quebradas, por isso motivo de riso

E que estando no poder, não foi por isso que ressoamos golpes de vingança pessoal
…ou rolam as cabeças dos nobres;
O Povo tinha nojo da ferocidade dos reis.

Mas a doçura do perdão destilou uma destruição amarga, e os regentes assustados retornaram:
Cada um paramentado com seu séquito… carrasco, padre e coletor de impostos… soldado, advogado, carcereiro e delator.

Por trás de tudo, repare, tem uma Forma,
Vaga como a noite, interminavelmente drapejada, testa e forma em dobras Escarlates,
Com face e olhos que ninguém pode ver,
Fora de seu manto apenas isso… os mantos mesmos, vermelhos, erguidos
pelo braço,
Um dedo aponta longe para cima, como cabeça de serpente aparecendo.

Enquanto isso cadáveres jazem em túmulos recentes… cadáveres
ensanguentados de jovens;
A corda da forca baqueia com força… as balas dos príncipes voam… os
Poderosos gargalham,
E todas essas coisas geram frutos… e eles são bons.

Cadáveres de jovens,
Esses mártires pendurados nas forcas… com os corações varados de Chumbo,
Frios e imóveis parecem… viver em algum lugar com uma vitalidade
imassacrável.

Eles vivem em outros jovens, oh, reis,
Vivem em seus irmãos, de novo prontos pra desafiar vocês:
Foram purificados pela morte… Foram ensinados e exaltados.

Não há túmulo de alguém assassinado pela liberdade onde não
cresça a semente
da liberdade… que por sua vez gera sementes,
que o vento leva pra longe e ressemeia, sendo nutridas por chuvas
e neves.

Não há espírito capaz de deixar livres as armas dos tiranos,
Mas se impõe invisivelmente sobre a terra… sussurrando e aconselhando e
Prevenindo.

Que outros se desesperem com você, liberdade… eu nunca me desespero.

A casa está fechada? O professor saiu?
No entanto fique esperto… e não se canse de esperar,
Ele logo vai voltar…seus mensageiros estão chegando.

Publicado originalmente no portal da Fundação Perseu Abramo em 8 de fevereiro de 2008.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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