EUA e o Reino Unido atuaram para empurrar Hitler contra a União Soviética na 2ª Guerra

Edberto Ticianeli

Quando Adolf Hitler chegou ao poder alemão em 1933, o capitalismo ocidental viu com simpatia seus discursos anticomunistas. Caía como uma luva para aquele momento de crise do capital, que desesperadamente tentava escapar da ruína financeira deflagrada a partir da crise iniciada em 1929 com a quebra da Bolsa de Valores de Nova York.

EUA e o Reino Unido viam Hitler e suas milícias como uma barreira contra a expansão da União Soviética. Parte da elite econômica britânica não escondia sua admiração pelos regimes implantados na Itália e na Alemanha, financiando abertamente o Terceiro Reich e deixando Hitler desconsiderar as limitações armamentistas impostas pelo Tratado de Versalhes, celebrado após a Primeira Guerra Mundial.

Essa corrente era liderada pelo primeiro-ministro Winston Churchill, que externava sem reservas sua oposição ao regime socialista vitorioso na União Soviética. Chegou a tomar parte dos movimentos armados para combater o poder revolucionário logo após sua implantação em 1917. Foi ele que autorizou o uso de armas químicas contra os russos.

Churchill também não escondia que era racista. Defensor da supremacia branca, se referia aos brancos como uma “raça de alto nível”. Não destoava dos demais poderosos “donos” do império britânico, que tanta destruição provocou na África e Ásia.

São conhecidos os discursos dele do período que antecedeu a guerra, entre 1935 e 1937. Em “A verdade sobre Hitler” e “Hitler e sua escolha“, os elogios são fartos. Trata o e Führer como um político competente e carismático. “Os que conheceram Hitler pessoalmente encontraram um funcionário altamente competente, tranquilo e bem-informado, de maneiras agradáveis e de um sorriso que desarma“, assim o descreveu para externar sua esperança que ele poderia “ajudar a criar tempos mais felizes“.

Foi essa simpatia, quase amor, dos britânicos que levou Hitler a concluir que poderia continuar a “engolir” a Europa sem a reação do Reino Unido. O Führer acertou: após a Alemanha ter declarado guerra, por algum tempo os britânicos ficaram em dúvida sobre se deviam enfrentá-lo.

Mesmo durante a guerra, os britânicos continuavam a vacilar no combate ao nazismo. Quando o Conselho de Guerra deliberou o ataque as indústrias do vale do Ruhr pela Força Aérea Real, houve reação dos seus oficiais. Relutavam em “causar danos às propriedades privadas alemãs”.

Outro exemplo dessa hesitação ocorreu no desembarque da Força Expedicionária Britânica na França. Era somente uma ação defensiva. Não havia plano algum para invadir a Alemanha. Alimentava-se ainda a esperança de empurrar Hitler contra a União Soviética.

Quem aproveitou toda essa demonstração de incompetência estratégica foi o Führer, que em maio de 1940 ordenou a invasão/passeio à França e açoitou a Força Expedicionária Britânica, mandando-a de volta para casa humilhada. Mais de 400 mil soldados atravessaram o Canal da Mancha sem serem importunados por Hitler, que ainda tinha esperança na imobilidade de Winston Churchill.

O Reino Unido demorou a perceber que a expansão da Alemanha sobre a França, Áustria, Checoslováquia, Bélgica, Países Baixos, Dinamarca e Noruega enfraquecia substancialmente o poder britânico sobre a Europa.

A Marinha Real, fonte por séculos do domínio do Reino Unido, estava ameaçada. Não mais controlava as principais rotas marítimas do comércio mundial. Foi aí que soou o alerta para eles.

Quem anteviu o perigo que Hitler representava para o mundo foi o presidente do Conselho de Ministros da União Soviética, Josef Stalin. A partir de março de 1939, o líder soviético procurou contato com os governos britânico e francês propondo um acordo para barrar a expansão alemã.

O premiê Neville Chamberlain e o líder francês Eduard Daladier não quiseram conversa. Chamberlain chegou a externar que não confiava nos soviéticos: “Não acredito em sua capacidade de manter uma ofensiva eficaz, mesmo que quisesse. E desconfio dos seus motivos, que me parecem ter pouca ligação com as nossas ideias de liberdade“. Na década de 1930, os britânicos estabeleceram três acordos com a Alemanha nazista, em perfeita harmonia com as “ideias de liberdade”.

Essas negativas levaram Moscou, em agosto de 1939, a encerrar o diálogo com o Reino Unido e a França. Sabendo que Hitler preparava a invasão da Rússia, Stalin, precisando ganhar tempo para sua defesa, aceitou assinar um tratado de não agressão com a Alemanha naquele mesmo mês.

No dia 1º de setembro de 1939, a Hitler ordenou a invasão da Polônia argumentando que recuperava territórios do antigo Império Prussiano, esfacelado após a primeira guerra mundial. A Polônia, que havia estabelecido um acordo com a Inglaterra e a França prevendo que em caso de agressão alemã esses dois países utilizariam suas forças militares para defendê-la, ficou a ver tanques alemães desfilando por suas estradas e ruas sem qualquer intervenção dos aliados.

Diante desse avanço das forças nazistas e da “neutralidade” do Reino Unido e França, no dia 17 a União Soviética ocupou o leste polonês. Varsóvia rendeu-se ao exército alemão no dia 28 de setembro.

A reação soviética e a expansão nazista terminaram por forçar os britânicos a reconhecerem que estavam isolados e também ameaçados por um poderio militar alemão muito superior ao seu. Mas foi somente em 12 de julho de 1941, dias após a Rússia ser invadida pela Alemanha (22 de junho de 1941) que surgiu uma aliança militar do Reino Unido com os soviéticos.

Eis o curtíssimo documento:

“O Governo de Sua Majestade e o Reino Unido e o governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas concluíram o presente acordo e declaram o seguinte:

1) Os dois governos se comprometem a prestar assistência e apoio mútuos de todos os tipos na presente guerra contra a Alemanha hitlerista.

2) Comprometem-se ainda a que durante esta guerra não negociarão nem concluirão um armistício ou tratado de paz, exceto por meio de mútuo acordo.

As partes concordam que este acordo entra em vigor a partir do momento da assinatura e não está sujeito a ratificação.”

O documento foi assinado no Palácio de Livadia, antiga residência de verão da família imperial russa na Crimeia, na atual Ucrânia. Na solenidade, Josef Stalin, secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética, e o primeiro-ministro britânico Winston Churchill apertaram as mãos selando a união de forças para enfrentar o nazismo.

Os EUA, que se diziam neutros, não gostaram desse acordo e o presidente Franklin Delano Roosevelt convocou Churchill a dar explicações. O encontro aconteceu em uma embarcação nas proximidades da Ilha de Terra Nova, no Canadá.

Dessa reunião, que durou quatro dias, surgiu a Carta do Atlântico, estabelecendo os “princípios para um futuro melhor para o mundo”. Foi anunciada em 14 de agosto de 1941 e seus oito pontos, em resumo, estabeleciam:

  1. Nenhum ganho territorial seria buscado pelos Estados Unidos ou pelo Reino Unido;
  2. Os ajustes territoriais devem estar de acordo com os desejos das populações afetadas;
  3. Reconhecimento do direito à autodeterminação dos povos;
  4. Barreiras comerciais devem ser excluídas;
  5. Há de ser uma cooperação econômica global e avanço do bem-estar social;
  6. A liberdade de desejo e medo seria executada;
  7. Há de ter a liberdade dos mares;
  8. Desarmamento das nações agressoras em comum após a guerra seria feito.

Na verdade, Roosevelt e Churchill concordaram mesmo que deveriam atuar para impedir que a União Soviética, após a vitória sobre a Alemanha, tivesse conquistas geopolíticas e que EUA e Reino Unido fossem os principais beneficiados dos futuros ganhos comerciais. Sem entrar na guerra, os EUA já se habilitava para o butim.

Ficava claro que, mesmo sob as ameaças de Hitler, para eles o principal inimigo era a União Soviética. As alianças com Stalin para a guerra somente surgiram motivadas pelos soviéticos, que foçaram essa situação ao demonstrarem força militar e habilidade para impedir a ofensiva da Alemanha por algum tempo.

A prova disso está em uma das cláusulas da Carta do Atlântico, a que estabelecia que os países do Eixo — Alemanha, Itália e Japão — teriam que ser tratados como potenciais aliados após o fim da guerra.

No mês seguinte (24 de setembro), num encontro dos Aliados em Londres, os princípios que nortearam a Carta do Atlântico receberam a adesão dos governos da URSS, Bélgica, Tchecoslováquia, Grécia, Luxemburgo, Países Baixos, Noruega, Polônia e Iugoslávia.

A neutralidade dos EUA acabou dias depois, em 7 de dezembro de 1941, quando aviões da Marinha Japonesa atacaram de surpresa o porto de Pearl Harbor, em Honolulu, no Havaí. No dia seguinte os americanos entraram formalmente na guerra.

Quando os EUA começaram a participar do conflito, a URSS já enfrentava a Operação Barbarossa, iniciada pelos nazistas em junho de 1941 com o objetivo de conquistar a União Soviética com a mesma rapidez com que dominaram a França.

A reação dos soviéticos surpreendeu os nazistas e as batalhas naquele território se estenderam por muito tempo, transformando-se na principal frente de guerra dos alemães. Culminou com a histórica Batalha de Stalingrado, que durou de julho de 1942 a fevereiro de 1943, destruindo a cidade e matando dois milhões de indivíduos.

Com a rendição dos soldados alemães em Stalingrado, em 2 de fevereiro de 1943, teve início a derrota alemã na Segunda Grande Guerra. A poderosa contraofensiva soviética a caminho da libertação da Europa levou o Reino Unido e os EUA a correrem na mesma direção para disputar esse avanço.

Era a guerra dentro da guerra. Não valia nada a Carta do Atlântico: “Os ajustes territoriais devem estar de acordo com os desejos das populações afetadas”. Quem chegasse primeiro era o dono. Foi assim que surgiu uma Alemanha dividida em ocidental e oriental.

Edberto Ticianeli

Jornalista e Produtor Cultural. Ex-secretário Estadual de Cultura. Editor dos sites História de Alagoas e Contexto Alagoas.

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