O Sal e a Gema: o futuro está chegando

Miguel Gustavo de Paiva Torres

Era um privilégio sentar na murada de um janelão com vista panorâmica para o Oceano Atlântico na biblioteca do casarão dos meus pais, uma construção do início do século XX, ali erguida quando o bairro do Farol, em Maceió, ainda era conhecido como o Alto do Jacutinga.

Ali nasceu a poesia e o amor pela beleza e pela natureza nos meus olhos e no mais fundo do meu coração: — Desta cidade não sairei jamais. Este mar é meu, este azul é meu, esses navios que vão, vêm e aportam são meus. Maceió é a minha cidade. O meu primeiro amor.

Não existia Ponta Verde. A época era da Praia da Avenida da Paz e sua continuidade, Praia do Sobral, na direção da foz da Lagoa Mundaú, onde ficava a Escola de Aprendizes de Marinheiro.

Cresci, fiz vestibular, e fui estudar Direito no Campus Tamandaré, local da extinta Escola de Aprendizes de Marinheiros de Maceió, no Pontal da Barra.

Minha cadeira cativa na sala de aula ficava ao lado da janela, próxima ao mar. O mais lindo de todos os mares em que nadei e mergulhei. Impossível ter mais sorte na vida. Tive o privilégio de ser envolvido pelo azul e pelo branco marítimo.

Quando comecei a me preparar para o concurso de acesso à carreira diplomática, único sonho que me arrancaria de Maceió, descia a ladeira do Farol, chegava na Avenida da Paz e corria quilômetros até o Campus Tamandaré, logo de manhã, cedinho.

Lá, trocava de roupa e passava o dia assistindo aulas de Direito e de Economia, como ouvinte. Depois biblioteca até o cair da noite e finalmente a Aliança Francesa à noite, perto da Praia da Avenida.

Correr na praia, para mim, era a forma de me preparar para varar a noite estudando.

Foi em 1972, ou 1973, que vi, justamente no meu lugar preferido para mergulhos na Praia do Sobral, a primeira placa anunciando o futuro das Alagoas. A imensa placa informava que ali seria implantada, pela gigante multinacional DU PONT, a Salgema Indústrias Químicas.

O futuro está chegando mesmo, pensei. Tive o mesmo sentimento de orgulho pelo progresso da cidade que senti quando acenderam o primeiro grande anúncio em néon do Café AFA, no centro da cidade. Ninguém segura esse país, diziam as propagandas do governo militar da época.

Fui embora para o Rio de Janeiro, jornalista, e depois para Brasília, diplomata. Décadas se passaram. Vivi o suficiente para saber como teria sido e foi o futuro.

Em 1990, trabalhando como chefe de gabinete na Secretaria Geral do Palácio do Planalto, recebia toda a papelada da esplanada dos ministérios para processar o que iria com urgência para o presidente Collor. Havia um informe da recém-criada ABIN que me surpreendeu.

Descrevia intensos vazamentos de cloro da Salgema nos bairros adjacentes ao seu complexo industrial.

Principalmente no tradicional bairro do Trapiche da Barra, onde ficava uma das faculdades de Medicina de Alagoas e o Estádio Rei Pelé. O informe dizia que a imprensa não estava divulgando para não criar pânico na população.

Claro que fiquei perplexo e triste.

E assim seguiu a vida; a Du Pont vendeu para a Dow Chemical e depois a Odebrecht/Braskem assumiu o controle acionário. O resto o Brasil e o mundo já sabem, hoje, 6 de dezembro de 2023, o que está acontecendo na cidade de Maceió.

A Salgema durante muito tempo foi a queridinha da cidade. Criou uma teia de relações públicas que distribuía prêmios e doações à torto e a direito e funcionava como uma caixa de papai noel em tempos de campanhas políticas.

A Salgema deu tão certo que suas dívidas com o PRODUBAN, Banco do Estado de Alagoas, foram incorporadas à dívida pública do Estado de Alagoas quando aquele banco foi liquidado nos anos 90. Sobrou a Praia da Avenida e o mar do Sobral. Ainda azul, mas poluído e letal.

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